Mural https://mural.blogfolha.uol.com.br Os bastidores do jornalismo nas periferias de SP Mon, 27 Dec 2021 13:12:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A presença das mães das periferias no jornalismo https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/11/16/a-presenca-das-maes-das-periferias-no-jornalismo/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/11/16/a-presenca-das-maes-das-periferias-no-jornalismo/#respond Tue, 16 Nov 2021 22:13:24 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/gravidez-de-risco-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=18041 Halitane Rocha

Quando descobri que estava grávida – e de gêmeas -, tive uma nova perspectiva de que tipo de jornalismo eu fazia e para quem fazia. 

Antes, pensava pouco nas referências da maternidade e no ponto de vista das crianças. Talvez porque achasse que já não dava conta dos estigmas de ser uma mulher, negra e periférica. Mas, agora, também sou mãe.

Ainda na gestação, após ter ficado desempregada e isso durante a pandemia da Covid-19, tentei fazer o meu planejamento familiar com garantia de laqueadura para evitar outra gravidez não planejada. Só consegui o DIU (ou dispositivo intrauterino) por ser uma gestante de risco.

Na época, meu marido também perdeu o emprego e recorremos ao auxílio emergencial. O dinheiro dava para pagar só o aluguel da casa onde vivo em Cotia, na Grande São Paulo. E naquele momento, familiares e amigos ajudaram a nos manter firmes até voltarmos aos trabalhos.

Na véspera do nascimento da Núbia e da Dandara, de um ano, conheci outras mulheres que eram gestantes de alto risco e também não conseguiram solicitar a laqueadura. Uma delas é obesa e com pressão alta. Ela estava grávida de trigêmeos, mas perdeu um bebê no começo da gestação, além de mais três filhos nascidos.

Como eu estava quase parindo também, não tive condições de tentar pedir o telefone dela para uma futura entrevista, mas a partir dessa experiência escrevi uma reportagem sobre as dificuldades vividas pelas mulheres que não conseguiram laqueadura nem o DIU para se prevenir.

Nesse mesmo dia, conheci outra gestante que precisava sair de Vargem Grande Paulista, cidade vizinha de Cotia, e dependia de carona para chegar ao hospital porque o município em que morava não tem maternidade.

E fiz uma reportagem na Folha falando dessa dificuldade de locomoção de gestantes que já resultou até em uma mulher parir assim que chegou no hospital, no meio do corredor, por causa da distância. 

Esse tipo de dificuldade não é incomum na região e um dos fatores é a ausência de mulheres atuando em políticas públicas da cidade.

Durante a eleição 2020 também foi publicada neste jornal uma reportagem sobre a cidade de Cotia não eleger uma vereadora há 32 anos.

Além disso, o texto da Agência Mural levantou a discussão da falta de diversidade de gênero nas Câmaras e os impactos disso na sociedade — conseguir uma vaga na creche é um exemplo.

Antes de ser mãe, dificilmente pensaria nessas abordagens para escrever um conteúdo. Isso porque eu também não convivia com mães e crianças. Hoje, começo a entender também como devo repensar minhas pautas com e para as crianças.

A jornalista Mayara Penina, 31, cofundadora do Nós, mulheres das periferias e mãe de Joaquim, 8, também destaca a importância de usarmos esse espaço no jornalismo.

“Ter um filho influenciou na minha cobertura sobre direitos das crianças e como ela está diretamente ligada aos direitos das mulheres mães”, diz.

Grávida durante o último ano da faculdade, o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de Mayara foi um  livro-reportagem chamado “Despertar para o parto – como nascem e como poderiam nascer as crianças brasileiras”.

“Fui pesquisar e estudar parto e gênero. Me dei conta que poucas mulheres me contavam boas experiências de parto, fiquei encafifada com isso”, relembra ela, sobre como foi a escolha do tema da pesquisa.

As experiências anteriores em editorias com foco nas vivências das crianças também levaram a jornalista a criar a newsletter Carambola, que traz conteúdo sobre a primeira infância. 

“A proposta é trazer conteúdos que interessem às famílias, educadores, profissionais que trabalham com crianças e também quem não tem filhos”, explica.

Mayara propõe abordar esses temas com uma perspectiva do desenvolvimento integral das crianças e pensando os direitos delas quanto à saúde, política e economia.

Publicações que valorizem as crianças são importantes para  garantias de direito e liberdade. Segundo Mayara, o tema não é tratado com prioridade, muitas vezes, porque os filhos costumam ser vistos “como responsabilidade exclusiva das mães”, o que precisa mudar.

“Criança só vai ser prioridade quando for assunto de todo mundo.”

Ela também cita o provérbio africano “é preciso uma aldeia para educar uma criança”, que aponta a responsabilidade coletiva. “A gente precisa que seja levado a sério com políticas públicas e com mudança de comportamento, aí acho que entra o papel do jornalismo, o meu papel”, ressalta. 

Papel esse que nós, mães que atuamos no jornalismo, tentamos desempenhar em nossas reportagens sobre maternidade e infância. E que haja maior presença de mães — tanto as mães jornalistas quanto as mães protagonistas de temas jornalísticos — dentro dos veículos de comunicação.

Halitane Rocha é repórter da Agência Mural e correspondente de Cotia

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Do ataque à meia-entrada às cotas nas universidades https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/11/08/do-ataque-a-meia-entrada-as-cotas-nas-universidades/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/11/08/do-ataque-a-meia-entrada-as-cotas-nas-universidades/#respond Tue, 09 Nov 2021 00:47:51 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/48013350847_1302a4715a_k-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=18030 Paulo Talarico

Nos últimos dias, um projeto de lei estadual que determinava o fim da meia-entrada para atividades culturais foi vetado pelo governador em exercício Carlão Pignatari (PSDB). Mas a aprovação dele pelos deputados estaduais e o texto que justificava a proposta levanta uma reflexão importante sobre o que vem por aí na defesa de direitos nos próximos anos (ou meses). 

A proposta previa o fim desse benefício para estudantes, garantido atualmente pela lei federal 12.933/2013, o que levou ao veto. 

Na justificativa do projeto, o autor do texto afirma que na tentativa de garantir mais “direitos” para um determinado grupo (os estudantes), os proprietários de casas de show dobram o preço dos ingressos, entendendo que praticamente ‘todos’ conseguem a meia-entrada.  

Afirma que é injusto com trabalhadores e pessoas de baixa-renda que não têm esse desconto. Por isso, propõe que de 0 a 99 anos, todos receberiam a meia-entrada – todos teriam ‘direitos’ com ninguém recebendo nada. 

O deputado Artur do Val conclui assim que a lei resolveria “por uma artimanha retórica, um problema econômico”. 

Curioso que não há uma busca para pensar em como trabalhadores, moradores das periferias, possam ter mais acesso a cultura. Diz apenas que o ideal é que não tenha para ninguém. 

Também ignora que a lei atual determina que 40% dos ingressos sejam oferecidos com meia-entrada. Ou seja, 60% podem ser cobrados como entrada inteira, diferentemente do que aparece no texto. 

Mas, para além da discussão desse tema, um detalhe dessa justificativa demonstra um pouco do caminho que estamos tomando. Ao reclamar dos estudantes que ainda dispõem da meia-entrada, ele comparou com as cotas para as universidades “que colocam candidatos em universidades e concursos públicos à frente de outros por causa da cor da sua pele – critério absolutamente irrelevante para medir talento ou dedicação.” 

Nunca se tratou disso, é bom dizer. 

As cotas são uma pequena reparação. Reparação para descendentes de populações que foram escravizadas durante séculos e, por conta disso, começam a vida em situação marginalizada, sobrevivendo, se desdobrando para conseguir uma possibilidade melhor.

População que foi traficada mesmo quando a lei brasileira já não permitia. População que ao conquistar a abolição não teve nenhuma reparação. Faz parte da nossa história. 

Não à toa, demoraram tanto para aparecer com mais força em ambientes como universidades criadas para formar as elites em São Paulo. O que vem mudando.   

Aprovada em 2012, a Lei de Cotas ajudou no crescimento de pessoas negras nas universidades. Pela primeira vez, o número de mulheres pretas nas instituições públicas representa a maioria.

Essa legislação completa 10 anos em 2022. A proposta entrará em revisão ano que vem e os ataques a ela têm se repetido constantemente.

E não é dizer que uma pessoa que seja pobre não tem que ter acesso se não for negra. A própria Lei de Cotas determina a reserva de vagas a partir da renda e de quem estudou em escola pública inicialmente.

Na sequência utiliza os dados populacionais e a porcentagem de cada população para ajudar na definição das vagas.

São detalhes que muitas vezes não são informados por quem ataca os direitos. Por isso, explicar essas informações será cada vez mais fundamental, mesmo que seja repetitivo.

Em um país que muda nome de programas ou os exclui por questões partidárias e interesses eleitorais, é necessário enfatizar que não dá para retroceder nesses avanços que tem possibilitado um pouco mais de diversidade em espaços como as universidades ou, mesmo, nas salas de cinema.

Em tempo. Recebi dois comentários sobre este texto e gostaria de acrescentar, pois fazem muito sentido. 

a) Francisco Kenji me mandou um email em que comenta sobre o trecho em que disse ser uma reparação e concordo com a observação dele de que: “Dada a magnitude da violência histórica, nem se fala em reparação. As cotas são algo muito maior que reparação para os pretos. São a oportunidade que a sociedade tem para promover a discussão na academia de todos os assuntos nacionais, de forma irmanada.”

b) E uma correspondente da Agência Mural cita para mim que as cotas apenas nunca foram suficientes, dada a dificuldade de permanência dos estudantes depois de ingressarem. 

Paulo Talarico é editor-chefe da Agência Mural 

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O jornalismo das periferias ocupando a universidade https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/o-jornalismo-das-periferias-ocupando-a-universidade/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/o-jornalismo-das-periferias-ocupando-a-universidade/#respond Fri, 29 Oct 2021 22:15:12 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/Muranasuniversidades2-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=18023 Tamiris Gomes

Quando me formei em jornalismo, no ano de 2014, sequer havia disciplinas no curso que conversassem sobre meios alternativos de comunicação, muito menos algo que contemplasse o tipo de notícia produzida sobre e nas bordas da cidade de São Paulo. 

Felizmente o cenário vem mudando. Maior presença de alunos pretos, periféricos e de escolas públicas, além de professores engajados dentro das universidades, têm criado espaços de discussão antes pouco prováveis. 

Um exemplo foi o bate-papo online que pude participar nesta sexta-feira (29) com alunos da disciplina chamada “políticas públicas e direitos humanos”, na Universidade Mackenzie. A intenção era discutir as práticas de cobertura nas periferias e estava ali representando o trabalho da Agência Mural. 

A conversa contou também com a presença de outro “muralista”, o Luiz Lucas, correspondente no Jardim Ângela, na zona sul, e jornalista do coletivo Desenrola e Não Me Enrola. O repórter do R7 Kaique Dalapola, cria do Grajaú, que atuou na Ponte Jornalismo e também contribuiu para a Mural, completou o time. 

Uma das perguntas que nos fizeram — e percebo ser uma inquietação constante dos alunos não moradores das periferias — trata-se do “que fazer para não errar na hora de escrever e entrevistar alguém da quebrada?”. 

Nesse momento, recorremos aos 10 Princípios da Cobertura Jornalística das Periferias, material desenvolvido em 2015 pela equipe da agência. Esse guia nasceu justamente depois de experiências com universitários que repetiam as mesmas dúvidas.

O material não tem a pretensão de apresentar fórmulas prontas, mas pode ser usado como ferramenta para auxiliar na desconstrução dos estereótipos e tornar a comunicação sobre essas áreas mais precisa e objetiva.

Aula ao ar livre sobre reportagem em universidade de São Paulo

Um dos pontos discutidos com os estudantes foi o de tentar não comprovar as próprias teses durante uma reportagem. As periferias têm sujeitos diversos, plurais, e é preciso estar pronto para ouvir de fato. 

No lugar de discursos engessados e carregados de preconceitos, o caminho é dialogar com os múltiplos sentidos das quebradas, trazendo para a cobertura vozes que são pouco ouvidas na imprensa, no debate de interesse público.

Também citamos nos princípios para lembrar que os moradores em geral, não são “coitados” nem “carentes”, não devem ter a capacidade política subestimada e que as periferias fazem parte da cidade e deveriam ter os mesmos direitos respeitados.

Kaique lembra que quando um repórter chega na periferia como “estrangeiro” precisa ter cautela e ouvir. Não há erro quando existe respeito pela fonte. “Respeita, meu bom, desconhecido pisa fofo, como diz aquele funk [‘Motoloka’] do MC Lipi”, comenta ele. 

O olhar menos enviesado sobre as periferias começa assim, pisando fofo, com formação e entendimento do que é a cidade e as desigualdades dos territórios — incluindo disciplinas que aprofundem as diferentes narrativas e abordagens jornalísticas. 

E a universidade, que lapida os comunicadores do futuro, é um lugar chave para que esse tipo de troca aconteça. 

Tamiris Gomes é editora-assistente da Agência Mural

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O trabalho infantil e a voz das crianças no contexto periférico https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/10/15/o-trabalho-infantil-e-a-voz-das-criancas-no-contexto-periferico/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/10/15/o-trabalho-infantil-e-a-voz-das-criancas-no-contexto-periferico/#respond Fri, 15 Oct 2021 19:45:44 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/voz-das-crianças-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=18005 Aline Kátia Melo 

A maioria de nós, moradores das periferias, tivemos no contexto familiar ou presenciamos alguma situação na qual crianças, especialmente meninas, precisaram cuidar dos irmãos mais novos ou ajudar no trabalho doméstico. 

Esse assunto fez parte de um bate-papo direcionado à rede de correspondentes locais da Agência Mural na semana passada, sobre infância e trabalho infantil.

Participaram da conversa a jornalista e pesquisadora Juliana Doretto e as procuradoras do trabalho Ana Maria Villa Real e Luciana Marques Coutinho, respectivamente coordenadora e vice-coordenadora nacionais da Coordinfância/MPT (Coordenaria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho). 

“Toda forma de atividade econômica e/ou de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remunerada ou não, exercida por criança e adolescentes que estão abaixo da idade mínima para entrada no mercado de trabalho.”

Logo no início da apresentação, elas nos trouxeram esta definição do conceito de trabalho infantil, o que me fez lembrar de situações de trabalho infantil vistas até hoje. E também lembranças do passado, como no caso da minha família. 

Meus pais nasceram e cresceram no interior do estado de Alagoas. Meu pai relatava ter trabalhado na roça desde criança, enquanto minha mãe, por ser a segunda filha, mas primeira nascida mulher, ajudou a cuidar dos irmãos mais novos. 

Influenciada um pouco por essa cultura, por vontade própria, decidi  emitir minha carteira de trabalho aos 14 anos, em 1997. Tive o meu primeiro emprego aos 17, conciliando o trabalho no período da tarde com o terceiro ano do ensino médio, de manhã.

Ao contrário da trajetória dos meus pais e de muitas outras famílias ao meu redor, minha mãe nunca exigiu que eu e minha irmã fizéssemos atividades domésticas. Ela preferia que gastássemos nosso tempo livre em casa brincando, estudando, fazendo lição. 

Prova disso é que chegou a nos matricular em academias de dança e cursos de música. Mas também ouviu das pessoas ao seu redor que precisávamos “trabalhar”.

Infelizmente costumava-se ter um olhar romantizado para o trabalho infantil, principalmente porque na época em que foram crianças, não existiam instrumentos formais de proteção como o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA surgiu em 1990, há 31 anos, no mesmo ano em que foi criado o Conselho Tutelar, órgão responsável por assegurar o cumprimento dos direitos do estatuto de forma “desjudicializada”, ou seja, que as situações de violações possam ser solucionadas sem depender da intervenção da autoridade judiciária.

Apesar de políticas como o ECA, a expectativa dos adultos para as crianças ainda é muito dedicado ao seu futuro adulto, com a pergunta sobre  “o que elas querem ser no futuro” sendo recorrente desde cedo, como se o único objetivo da vida delas fosse ser  constantemente preparadas para um dia entrar no mercado de trabalho. 

“E tudo que a gente faz é pensar que quando ela crescer, vai usar ‘isso’ quando ela for trabalhar”, afirmou a pesquisadora e professora da PUCCampinas Juliana Doretto. 

Percebo esta preocupação com o futuro profissional das crianças vindo de pais e mães de origem mais pobre. Não é incomum escutar de amigas o desejo de pagar, o quanto antes, curso de inglês para os filhos, assim que o orçamento permitir. 

E o papel do jornalismo neste tipo de cobertura? Para Doretto, as notícias sobre infância e trabalho infantil parecem ajudar a reforçar este olhar que pensa no mercado profissional.

“E isso vai dizendo que a criança não precisa brincar, a criança não precisa ser feliz hoje. O importante é ela se preparar para o futuro”, lamenta.

Ainda sem previsão de lançamento, a procuradora do trabalho Ana Maria Villa Real afirma estar finalizando um guia para orientar a cobertura jornalística sobre o trabalho infantil, com o apoio da Coordinfância, da ANDI (Agência de Notícias dos Dieitos da Infância) e da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Enquanto o material não é divulgado, Doretto, que pesquisa a relação entre infância, adolescência e mídia, com foco no jornalismo, indica algumas orientações básicas como garantir a voz da infância nos meios de comunicação, evitar identificá-las apenas pelo primeiro nome ou apelido ou usar imagens das crianças sem a voz delas, e também que os pais falem em nome das crianças. 

Na semana que se comemora esse mundo infantil, menos trabalho e mais brincadeira e educação para sonharem. E por um jornalismo que conte essas histórias a partir de seus pontos de vistas.

Aline Kátia Melo é correspondente da Agência Mural

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O primeiro evento com mais de mil pessoas após 18 meses de quarentena https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/10/07/o-primeiro-evento-com-mais-de-mil-pessoas-apos-18-meses-de-quarentena/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/10/07/o-primeiro-evento-com-mais-de-mil-pessoas-apos-18-meses-de-quarentena/#respond Thu, 07 Oct 2021 15:52:06 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/osasco-vitoria-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=17995 Caê Vasconcelos 

Nesta última terça-feira (05), deixei o medo de lado e fui ver o Osasco Voleibol Clube, meu time de vôlei do coração, jogar no Ginásio Esportivo José Liberatti, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. E valeu a pena ter enfrentado minha insegurança inicial.

Foi bonito ver a juventude, com cautela, tentando recuperar espaços públicos. Como jornalista, deu vontade de fazer algumas entrevistas, mas desisti. Decidi tornar aquela experiência neste texto em primeira pessoa. 

A gente sabe que a pandemia do coronavírus não acabou, muita gente ainda não se vacinou, mas, de fato, a vacinação avançou. Por isso alguns lugares e eventos estão sendo reabertos. Como os jogos de vôlei nos ginásios. 

Eu sempre fui fã de esportes, principalmente vôlei e futebol feminino, mas as Olimpíadas de Tóquio, e o agravante de estar trancado em casa há tanto tempo, despertaram em mim uma vontade enorme de assistir mais jogos presencialmente. Prometi para mim mesmo que, assim que pudesse, iria a todas as partidas que eu pudesse. 

A pandemia pra mim foi uma espécie de renascimento (principalmente por conta da minha transição social de gênero), e tendo refletido sobre aproveitar os momentos únicos como uma obrigação. Mas eu não imaginava que fosse viver isso ainda em 2021.

Quando o Osasco anunciou nas redes que o primeiro jogo da semifinal do Campeonato Paulista, contra o Pinheiros, seria no Liberatti, e que teria torcida, minha primeira reação foi de crítica. “Será que é hora pra isso? A pandemia ainda não acabou, nem todo mundo se vacinou.” 

Aí veio o anúncio das regras para que a torcida pudesse comparecer ao jogo e fiquei mais tranquilo: só entraria no ginásio quem tomou pelo menos uma dose da vacina, com apresentação de um teste negativo da Covid-19, máscaras obrigatórias durante toda a partida e limite de 30% do público. Deu um alívio. Decidi que iria. 

Domingo os ingressos foram liberados para venda, e em duas horas esgotaram-se. Para quem não sabe, os jogos de vôlei são gratuitos até as partidas finais. Aliás, está aí um lazer bem massa pra você fazer e ainda ajuda a fortalecer o esporte feminino.

Bateu uma ansiedade do momento que garanti meu ingresso até quando saí de casa na terça à noite. Quando chegou o momento de ir para o ginásio, meus sentimentos eram contraditórios: euforia e medo. Sabia que os protocolos sanitários seriam respeitados no jogo, mas os ginásios são locais fechados. Fui.

Além de ser o primeiro jogo pós-quarentena, era o meu primeiro jogo pós-transição social de gênero, com uma coincidência: nesta temporada, a única jogadora trans de vôlei no Brasil entrou para o meu time. Imagina a ansiedade deste torcedor trans? Ver Tifanny Abreu pela primeira vez usando a camiseta do meu time (e marcando muitos pontos) foi uma emoção a mais. 

Quando entrei no ginásio o jogo já estava para começar. Encontrei uma cadeira em uma fileira mais vazia: o distanciamento estava sendo seguido “como dava”, pulando umas cadeiras dos lados, e nem sempre dava pra pular na frente ou atrás, por conta da geografia do espaço. Até onde meus olhos conseguiam olhar, as 1.200 pessoas ali usaram máscara do começo ao fim do jogo.

Nem lembrava mais como era ouvir música tão alto, deu uma leve atordoada no começo, mas depois (re)acostumei. E ouvir os gritos da torcida? Nem sei explicar a sensação que foi! Mil pessoas gritando “vamos, Osasco!” e “oh oh oh oh, nós somos Osasco, campeão mundial”. 

Como disse no começo deste texto, eu até cogitei conversar com algumas pessoas na torcida, mas a emoção do momento foi tão grande que parecia muito errado atrapalhar aquele momento único na vida de cada uma daquelas pessoas que, finalmente, saíram de casa pra ver o Osasco fora das telas.

Deu tudo muito certo: o Osasco ganhou por 3 sets a 0 do Pinheiros em um jogo lindo de se ver (e de torcer). Com prudência e cautela, por enquanto, esperando que toda a população receba a sua segunda dose e que, em breve, possamos falar de um período “pós-pandemia”.

Caê Vasconcelos é correspondente da Agência Mural

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Pós-pandemia nas periferias? https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/24/pos-pandemia-nas-periferias/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/24/pos-pandemia-nas-periferias/#respond Fri, 24 Sep 2021 19:04:28 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/51426913521_6540a8f3ef_k-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=17990 Paulo Talarico

Apesar das falhas e dos escândalos sobre compra de vacinas, a vacinação tem avançado e tivemos nos últimos meses uma queda considerável no número de casos e mortes por Covid-19, o que tem trazido esperanças. 

Temos noticiado cada vez mais o quanto as medidas de quarentena foram sendo deixadas de lado – seja pela necessidade de trabalhar, pelo cansaço de um ano de pandemia ou só pelo descaso. 

Esse momento de retomada tem levantado uma questão importante para os próximos meses. Ano passado, nosso diretor de jornalismo Vagner de Alencar escreveu aqui como ler notícias sobre o pós-pandemia se um preto morre todo dia? Com quase um ano depois daquele momento, como estamos nas periferias?

No Google, o pós-pandemia teve alta nas buscas em janeiro, época em que começava a se desenhar a segunda onda e o pior momento da crise sanitária no Brasil. Novamente agora há uma alta na procura por essa informação. 

Em setembro, tivemos pouco mais de mil mortes por Covid-19 na Grande São Paulo. Houve meses em que registramos quase 4 mil em apenas uma semana. Ainda assim, há muito cuidado a tomar. 

Em uma reunião de pauta com a rede de correspondentes da Agência Mural, discutimos se já chegamos ao momento de falar sobre essa perspectiva e o que nos espera nos próximos meses. 

A ideia era justamente refletir sobre o atual momento da Covid-19, nas regiões que sofreram mais com a mortalidade dessa doença e com o impacto da perda de renda por conta da falta de apoio (com um auxílio emergencial que hoje mal paga o gás de cozinha). 

Na conversa, em resumo, dois pontos foram os mais tocados: há uma outra realidade no momento e as medidas de proteção estão cada vez mais perdendo força, mas o alerta de viver com a doença não pode ser menosprezado. 

Mais do que um pós-pandemia, o momento é de saber como conviver com a doença, apontou Gabriel Lopes, correspondente da zona leste. E faz sentido. 

O receio de quanto a Covid-19 ainda pode matar não pode sair do norte da nossa missão de informar. O uso de máscaras ainda precisa ser relembrado, enquanto não tivermos todos imunizados e, ao mesmo tempo, com a certeza de que outras variantes não serão ainda mais nocivas.

Essa emergência se mostra ainda mais importante quando a circulação em comércios volta cada vez mais ao normal, assim como o mercado de rua, que já voltou há bastante tempo. Vale lembrar que, por conta da necessidade, para muitos, os planos de contenção sempre foram uma grande ficção. 

Mas se vamos ter de conviver com a Covid-19, como isso se dará? Essa foi outra parte importante da conversa. 

A falta que a escola faz na vida dos estudantes é um dos nossos maiores problemas. Para que escola estamos voltando? Quais as condições de professores e alunos para esse retorno em um país que muda a forma de vacinar ao vento do humor presidencial?

E como as famílias afetadas pela falta de renda estarão até ano que vem, dado o agravamento das desigualdades e o aumento dos preços? 

Como fica a questão da alimentação e os direitos trabalhistas neste momento? Com as mudanças que vêm ocorrendo, como os moradores estão se virando? E quais foram os aprendizados que tivemos e que vamos ter de colher para o futuro? 

Ainda existem muito mais questões que respostas. E são todas indagações que podem nortear um pouco o que precisaremos nos debruçar, provavelmente nos próximos anos.

Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br

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Precisamos “ouvir” Paulo Freire e os jovens da escola pública https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/16/precisamos-ouvir-paulo-freire-e-os-jovens-da-escola-publica/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/16/precisamos-ouvir-paulo-freire-e-os-jovens-da-escola-publica/#respond Thu, 16 Sep 2021 16:37:45 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/51472764239_77c7280aca_k-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=17984 Vagner de Alencar

Além de jornalista, também sou pesquisador em Educação na PUC-SP. Meu projeto de doutorado é sobre a circulação do conceito de “fracasso escolar” a partir da imprensa brasileira e argentina, sobre os sentidos atribuídos pela veiculação da expressão.

Investigação que tem como espinha dorsal os estudos iniciados no mestrado, que concluiu que, por décadas, o “fracasso escolar”, resumidamente, era um problema do aluno (pobre, de escola pública), ora do professor. Sempre de um indivíduo, não do sistema. 

Foram analisadas mais de 100 reportagens, artigos e até classificados (sim, havia anúncio de clínicas de psicopedagogia vendendo a solução para o fim do “fracasso escolar”). Em mais de 90%, apenas vozes de pesquisadores e/ou fontes oficiais. Não havia a voz do “chão de escola”, de estudantes, professores ou diretores. 

Trago aqui o resultado desta pesquisa para traçar um breve paralelo com a cobertura atual. Infelizmente, em muitos casos, em vez de realizar uma cobertura que possa ajudar a população a questionar os problemas educacionais, ao contrário, ela é simplificada. 

Ficamos um ano e meio com as escolas de portas fechadas. Os impactos negativos causados pela pandemia na educação foram imensos e poderão ser sentidos a longo prazo.

De acordo com relatório do Banco Mundial, dois a cada três estudantes brasileiros podem não ter aprendido a ler, de maneira adequada, um texto simples aos 10 anos.

A exclusão digital e a falta de conectividade ajudaram ainda mais a agravar o aprendizado dos mais pobres. 

A missão do jornalismo, em seu papel fiscalizador, é mirar para os dados educacionais, olhar para os rankings, entrevistar os representantes do poder público. Mas, principalmente, não sucumbir a eles.  

É preciso escapar da superficialidade, ouvir quem faz a educação no dia a dia, a tão falada comunidade escolar, que é formada por estudantes, professores, diretores, merendeiras… 

Afinal, é muito fácil encontrar em editorias de educação em jornais de grande circulação, blog de escola particular que certamente a pauta nunca será a fome.
Nesta semana, em que se celebra o centenário de Paulo Freire (1921-2021) no próximo dia 19, lançamos na Agência Mural uma editoria com reportagens quinzenais sobre o tema.  

A primeira delas trata sobre o retorno das aulas ao abordar profissionais da educação que relatam medo, falta de protocolo e alunos com fome. 

Por aqui seguimos buscando “ouvir” os ensinamentos deixados pelo pedagogo, referência em educação não só no Brasil como no mundo, e especialmente os jovens das escolas públicas.

Lembrar o centenário de Paulo Freire é celebrar este grande pensador que se dedicou a uma educação conscientizadora e libertadora e criou um método inovador de ensino com foco na transformação social, que segue como modelo em muitas salas de aula.  

Apesar do governo tentar apagar, em vão, a história de Paulo Freire, que possamos não somente festejar o legado deixado por nosso patrono, mas continuar a lutar (e a escrever, sem superficialidade) por uma educação melhor.

Afinal, como já disse ele no livro “Pedagogia do oprimido”: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”

Vagner de Alencar é cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias

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O desafio de explicar a democracia https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/10/o-desafio-de-explicar-a-democracia/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/10/o-desafio-de-explicar-a-democracia/#respond Fri, 10 Sep 2021 19:22:47 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/IMG_5976-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=17980 Paulo Talarico

Os protestos do dia 7 de setembro levantaram algumas questões: com a situação do Brasil agravada com a alta de preços, a volta da fome e o número de vítimas pela Covid-19, por que ainda tantas pessoas foram às ruas em defesa do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido)? 

Embora tenha sido claro que houve uma articulação e financiamento para a ida ao ato antidemocrático liderado pelo presidente, é inegável que parcela da sociedade saiu de casa, pegou trem e metrô para chegar até a manifestação e, muitas vezes, partindo das periferias. 

Essa participação, que é minoritária segundo os institutos de pesquisa, não pode ser menosprezada, e as formas de falar também exigem uma ampla reflexão de todos nós que trabalhamos com jornalismo.

Uma pessoa que vive no meu bairro e ajuda a entregar comida para famílias que estão passando dificuldades esteve no ato. Mesmo num tom de respeito, afirmou que vai até a guerra pelo presidente. Infelizmente, sinto que não é um caso isolado.

Trabalhadores que têm sofrido com a precarização, como motoboys, têm integrantes que são a favor, assim como carregadores e caminhoneiros que vão ao Ceagesp. 

Muitas vezes colocamos esses públicos no mesmo patamar daqueles que financiam a derrubada da democracia –  ou pior, chamamos simplesmente de “gado” por ser absolutamente fanático pelo atual presidente. Creio que a resposta é mais complexa. 

Muitas periferias costumam viver em emergência para garantir a sobrevivência. Com isso, dependem dessas correntes de solidariedade que marcam os bairros. E parte dela vem das igrejas. 

Uma reportagem que fizemos recentemente mostrou como em 10 anos a cidade de São Paulo ganhou uma igreja evangélica por semana. E aqui não é generalizar a posição de seguidores de uma determinada religião, mas entender como parte delas se articula e se torna uma referência importante.

Não é novidade que a falta de serviços que atendam a população sempre levou a chegada de outros tipos de apoio. 

O estado muitas vezes é substituído pelo trabalho da associação de moradores, pelas igrejas, quando não pelo crime. E isso nos coloca numa chave muito complicada. 

O governo, que é o maior responsável pela falta de cuidados maiores na pandemia e que criou um auxílio emergencial que paga pouco mais do que um botijão de gás, é defendido por em tese “acreditar em Deus”. 

Não tivemos fala sobre a fome, não tivemos falas sobre o preço dos combustíveis, sobre a pandemia que vitimou mais de 585 mil pessoas e está perto de 70 mil na Grande São Paulo. Foi falado sobre como derrubar o STF (Supremo Tribunal Federal). 

Esse discurso funciona/tem sentido para quem nunca recebeu exatamente o que exige nossa Constituição. Os direitos à saúde, à habitação, ao saneamento básico, à educação, à cultura, à dignidade, é renegado em diversas periferias. 

Nisso, infelizmente, o discurso fácil de destruir o que está aí segue sendo fácil de seguir, ao mesmo tempo em que é esse mesmo governo que está possibilitando a destruição de todo o sistema. Há claramente uma necessidade de mudança, mas como explicar que é pela democracia que ela virá? 

E também vale entender que nem todos consomem notícias como nós consumimos. Está muito claro para uma parcela imensa da população os danos que foram causados nesses últimos anos e, em especial, com a pandemia. 

Mas para muitos a necessidade de correr para garantir o prato do dia não permite que palavras como “genocida”, “fascista” e “defesa da democracia” sejam impactantes para mudar pensamentos. 

Informar sobre como cada próximo passo antidemocrático pode deteriorar ainda mais o pouco que conquistamos é o grande desafio agora.

Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br

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O jornalismo independente precisa da sua participação https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/02/o-jornalismo-independente-precisa-da-sua-participacao/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/09/02/o-jornalismo-independente-precisa-da-sua-participacao/#respond Thu, 02 Sep 2021 16:02:04 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/michel-silva-arquivo-pessoal-320x213.jpg true https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=17972 Anderson Meneses

Principal jornal da Rocinha, favela do Rio de Janeiro, o Fala Roça foi criado há nove anos por um grupo de jovens da região, dentre eles Michel Silva. Nele são contadas histórias de moradores da comunidade que é uma das maiores no Brasil. No entanto, esse trabalho corre riscos.

Apenas em 2020, o jornal conseguiu um financiamento para manter a distribuição constante e garantir o trabalho de uma equipe de 5 pessoas. Mas o investimento está chegando ao fim e não é possível afirmar que o veículo vai se manter vivo nos próximos meses.

O risco do Fala Roça e de outras organizações das periferias afeta um direito básico e a democracia nessas regiões.

Acredito que uma democracia precisa de cidadãos e cidadãs bem informados, para que possam participar dela e fazer escolhas. E uma das condições para sustentar um regime democrático saudável está em garantirmos um ecossistema de notícias, onde o jornalismo praticado seja de qualidade, transparente, ético e que construa e mantenha sua credibilidade com seu público. 

Na prática isso se dá com jornalistas informando ou contando as histórias de moradores de um bairro, por exemplo.

Mas como garantir a duração desse trabalho?

Como muitos já sabem, a Mural marcou seu nascimento em 2010, e assim como o Michel, apenas oito anos depois conseguimos nosso primeiro recurso. Foi aí que começamos a falar de “negócios” para continuar cumprindo nossa missão com cada vez mais impacto. 

Sou um dos responsáveis por pensar novos modelos de negócios na Agência Mural. E para isso, a gente tem recorrido bastante àquele famoso provérbio africano: “Se quer ir mais rápido vá sozinho, mas se quer ir mais longe, vá acompanhado”. 

Temos  investido tempo e energia, criando uma rede de apoio e estreitando este diálogo direto com esta audiência, que não apenas acredita no jornalismo que fazemos, mas que quer estar em conversa conosco para fazê-lo melhor e maior.

Decidimos chamar o nosso programa de apoio de “Tijolo Por Tijolo”, em referência às construções que fazemos em nossos bairros, um a um e em comunidade. Atualmente 75 pessoas enchem a laje da Mural. 

Nosso programa de apoio faz parte de uma visão de sustentabilidade que tem como objetivo não apenas nos fazer continuar a existir, mas que garanta nossa existência com independência, no longo prazo.

Tipos de fontes de renda da Agência Mural nos últimos anos. Dados atualizados até julho de 2021

Para comemorar nosso aniversário de 11 anos, em novembro, lançaremos um novo site. Ele foi pensado e está sendo desenvolvido para entregar o jornalismo que fazemos com ainda mais cuidado aos leitores. E a maior preocupação é fazer com que o site continue oferecendo o conteúdo que produzimos sem barreiras para os leitores.

Atualmente 37 milhões de brasileiros vivem nos chamados desertos de notícias, segundo o Atlas da Notícias de 2020. São municípios, onde vivem 18% da população brasileira, que não possuem presença de veículos jornalísticos.

E não é preciso ir longe, ao lado da capital paulista, cinco cidades não contam com um meio de informação, segundo o estudo, com um total de 382 mil moradores. E não podemos esquecer que os bairros periféricos ou as favelas também podem ser consideradas “mini desertos”. 

Só a Rocinha, no Rio, possui 70 mil moradores. Paraisópolis, 100 mil. Pirituba, onde eu cresci, são mais de 167 mil. Bairros inteiros, com vidas cotidianas únicas, que carecem de informações independentes para que sua população possa votar, cobrar os governantes e saber sobre serviços, problemas e acontecimentos específicos daquela localidade.

Reduzir as desigualdades de informação –aquela que é produzida e a que está disponível para os cidadãos– é também parte importante na luta contra a desigualdade social. A informação correta dá caminhos aos cidadãos para que acessem seus direitos. 

E aqui fica o convite, se você puder, encontre a sua tribo e colabore com o jornalismo. Você pode colocar um tijolinho na Mural, incentivar o jornal Fala Roça ou então apoiar 20 outros veículos digitais que selecionei, mas, como eu disse, esta é minha sugestão. 

Felizmente, o país está cheio de novas organizações jornalísticas de qualidade. Apoie uma delas!

  1. AzMina
  2. Mídia Índia
  3. Nós, mulheres das periferias
  4. Favela em Pauta
  5. Amazônia Real
  6. Gênero e Número
  7. Cajueira
  8. Agência Eco Nordeste
  9. ponte
  10. ((o))eco
  11. Olhos Jornalismo
  12. Catarinas
  13. data_labe
  14. Alma Preta
  15. O joio e o trigo
  16. Meus Sertões
  17. Periferia em Movimento
  18. Mídia Caeté
  19. Desenrola e não me enrola
  20. Marco Zero
  21. Bônus: A Ajor tem um monte de novos associados, gente pequena… dá uma olhada lá!

Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br

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Ser lésbica, periférica e jornalista https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/08/27/ser-lesbica-periferica-e-jornalista/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2021/08/27/ser-lesbica-periferica-e-jornalista/#respond Fri, 27 Aug 2021 20:54:45 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/image-17-320x213.png https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=17968 Tamiris Gomes

A visibilidade, segundo o Google, é atributo do que é ou pode ser visível, ou percebido, pelos demais dentro da sociedade. E há muitas datas no colendário que sugerem esse diálogo, como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, em 29 de agosto. 

Nesse mesmo dia, em 1996, foi realizado o 1º Senale (Seminário Nacional de Lésbicas) no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Um evento dedicado a discutir políticas públicas de combate à lesbofobia e cobrar o Estado pelo reconhecimento dessas responsabilidades.  

A invisibilidade social das mulheres lésbicas atravessa muitas camadas que se relacionam com a opressão e com a discriminação. É preciso olhar para os diferentes marcadores. Ser mulher, lésbica, negra, periférica, de classe socioeconômica mais baixa, ou mais vulnerável à violência, é outro lugar de luta se comparado à mulher, lésbica, branca, do centro da cidade. 

“Só parei para pensar na complexidade disso quando saí da periferia e entrei na faculdade, no ambiente de trabalho. Aí a ficha caiu. Acho que a galera tem uma visão de que a mulher lésbica periférica é aquela que é o ‘tomboy’ [estilo de moda que mescla peças ditas masculinas com femininas] e que lésbica mesmo é a do centro da cidade, de chão de taco, vegana, branca”, diz Tatiane Araújo, jornalista e correspondente da Agência Mural em Barueri, na Grande São Paulo. 

Reproduzir esse estereótipo do que é ser lésbica na periferia, apontado por Tatiane, reforça ainda mais a invisibilidade e impede que mulheres se sintam confortáveis em se “assumir” em outros ambientes, como no trabalho. 

Segundo pesquisa da consultoria PwC, divulgada em março de 2020, apenas 38% das mulheres atraídas por mulheres falam abertamente sobre a orientação sexual nos ambientes profissionais — ainda que 65% se sintam confiantes com a sexualidade. 

“Nunca me escondi. Até porque se eu tiver que esconder um pouco de quem eu sou, não vale a pena pra mim estar naquele lugar, entende? Nunca tive problema [no ambiente profissional], mas sei que infelizmente essa não é a realidade para todas”, conta Luana Nunes, também jornalista e correspondente de Parelheiros, extremo sul da capital. 

Quando entrou na faculdade de jornalismo, Luana chegou a ser questionada sobre o seu “perfil”, como se existisse um para ser jornalista. “Tudo isso pelo simples motivo de que eu cortava o cabelo curto, usava roupas mais largas. Escutei isso até mesmo de professores do curso. Depois, nas redações, não tive questões. Para mim é tranquilo ser uma uma jornalista sapatão. Não escondo.”

“Acham que sapatão só pode ser duas coisas: ou motorista ou professora de educação física. O que é incrível, mas temos também outras paixões. Podemos ser jornalistas, fotógrafas, médicas, até astronautas. Podemos ser tudo”, pontua Luana.  

A lesbofobia mora nesses detalhes, de apontar padrões nos outros. E se tratando de redações e ambientes da área da comunicação, ainda há um caminho para garantir acolhimento e diversidade. 

“Uma redação diversa evita a disseminação de informações falsas ou equivocadas, ou seja, uma redação diversa tem mais chances de cometer menos erros ou de reproduzir menos preconceitos institucionais”, sugere Tatiane, de Barueri. 

Fora as abordagens constrangedoras sobre a sexualidade. “O que me chateia é que automaticamente, quando a pessoa descobre que me atraio por mulheres, a primeira coisa que uma colega hétero pergunta é se eu já tive interesse nela. Ou quando deslegitimam a minha união [sou casada] por ser duas mulheres”, diz Tatiane. 

Para a correspondente de Parelheiros há também certa superficialidade em como o tema é tratado pelas empresas de jornalismo. 

“Tenho visto as redações com bastante diversidade nos últimos tempos, mas também tem muita coisa superficial. Por exemplo, por que a gente tem que falar sobre as lésbicas só em agosto? Eu sou sapatão só em agosto? Você vai me tratar bem só em agosto? Quero que você entenda como me tratar em setembro, julho, março… É importante falar sobre diversidade sempre, todo dia, toda hora”, desabafa Luana. 

As jornalistas da Mural sabem da importância de ocupar cada vez mais esses espaços profissionais e cobram por ações efetivas que naturalizam a pluralidade. 

“Em dois ou três processos seletivos que participei tinha que preencher formulários com perguntas sobre raça e orientação sexual. Daí já vem uma abertura boa, mas o que será feito com essa informação? Vão mudar alguma coisa no ambiente de trabalho com os outros funcionários? A informação não pode morrer ali. E como vão te acolher?”, questiona Luana. 

Apesar dos percalços, elas se orgulham de quem são. “Me orgulho muito da minha paciência e respeitar os meus limites, meus gostos, minhas vontades para entender quem eu sou”, conta Tatiane.

 Luana diz que em sua caixinha há apenas uma gaveta e nela está dentro o fato de ser jornalista, negra, periférica e uma mulher lésbica. “Seria estranho se tivesse que ser só a metade. Sou orgulhosa, óbvio, de ser quem eu sou e poder calar muita boca por aí, quebrar muito estereótipo. E voar, porque o mundo está aí pra gente fazer isso, né?”. 

É. Volto lá no início do texto para o significado de visibilidade que aparece no Google. E se fosse possível acrescentaria que ser visível é também poder voar. 

Tamiris Gomes é editora-assistente da Agência Mural

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