Sobre o futebol dos terrões

Agência Mural

Por Karol Coelho

A paixão declarada do brasileiro todo o mundo sabe qual é. O Brasil é conhecido internacionalmente como “o país do futebol”.  Esse amor se faz presente em qualquer lugar, inclusive nas periferias, onde o futebol é de várzea.

No dicionário, várzea é “campina cultivada; planície, chã”. E chã significa “chão plano em terreno acidentado”. Popularmente conhecemos como terrão.

Quem é o cara que pinta as linhas do campo com cal? Quem lava o uniforme é a esposa de um dos jogadores? O que leva um homem a trocar o descanso de todo final de semana para jogar futebol? Ele recebe pra isso?

Esses são exemplos de perguntas que fazem o jornalista Diego Viñas, 27, blogueiro especializado em várzea, pesquisar sobre esta vertente do futebol brasileiro. “O cara que faz parte de um time do bairro ganha um status que de repente ele não tem na vida dele. Ele chega a achar que é um profissional. O mundo do jogo é uma fantasia e o campo, um divã”, diz.

Diego Viñas, 27, tem um blog especializado em futebol de várzea. (Foto: Guilherme Derrico)

“A primeira vez que visitei um terrão foi para assistir um campeonato de balão e de quebra eu bati uma bola, mas nunca fui boleiro. Sempre morei em Santo Amaro [zona sul de SP] e não conhecia campos próximos da minha casa”, conta. Em 1998, ele foi morar em Pirituba por três meses. Este ano o Corinthians, seu time de corpo, alma e coração, ganhou o campeonato brasileiro.

“Passou uma galera na rua gritando ‘ela, ela, ela é festa na favela’ e eu, sem saber o que aquilo significava, resolvi ir atrás gritando”, lembra.  “Fiz minhas primeiras amizades e conheci um campo chamado Buracanã. Ele era um buraco e tinha que descer um barranco escorregando ou dar a volta na quebrada para acessá-lo”, explica.

Campinho do Jardim Valquíria, zona sul de SP. (Foto: Diego Viñas)

Diego começou seu interesse pelo futebol armador na faculdade. “Nosso grupo tinha um perfil social muito definido e o nosso trabalho de conclusão de curso seria sobre intervenções culturais em Paraisópolis [comunidade da zona de sul de SP], mas nas reuniões a gente sempre desviava o assunto para futebol. Resolvemos assumir isso”, conta.

Entre os quatro homens do grupo, Renato Rogenski deu a idéia de falar sobre futebol de várzea.

Para divulgação do documentário “Contos da Várzea” que fazia parte do trabalho, foi criado um blog com o mesmo nome. “A gente percebeu a importância do blog, não só para o futebol, como também para o jornalismo porque tínhamos dificuldade de realizar pesquisas por não haver referências bibliográficas”, explica.

Hoje em dia os próprios times geram conteúdos de vídeo, texto e imagem e divulgam na internet. Mas Diego continua sua busca por histórias na várzea, diferente do restante dos colegas de grupo, que seguiram outros rumos.

Brasília, Jardim São Luis, na zona sul de SP (Foto: Diego Viñas)

Em 2007, passou a integrar o grupo de pesquisas Memofuti (Grupo de Memória e Literatura do Futebol), no Museu do Futebol. “Foi aí que percebi que podia ser um pesquisador de várzea”, diz. “O Futebol de Várzea vive paralelamente comigo, seja onde eu estiver profissionalmente e pessoalmente”.

Uma das coisas que causam receio é o envolvimento do crime organizado nos jogos de várzea, mas não é objetivo de Diego fazer denúncias interferindo na comunidade, mas, sim, o de garantir o registro histórico de times, campos, jogadores, técnicos, juízes e de qualquer personagem que ilustre este mundo.

Por isso ele criou o blog VárzeaPédia. “É um espaço que sempre sonhei e quero que vire uma referência de pesquisa”, diz.

Para Diego, o perfil social do futebol de várzea vai além do lazer. “As pessoas são tratadas igualmente. Você pode encontrar um técnico que é ajudante de pedreiro e que colocou na reserva um zagueiro advogado. Não existe classe social no campo de várzea, todos têm o mesmo direito”, diz

 

Karol Coelho, 20, é correspondente do Campo Limpo.
@karolcoelho_
karol.mural@gmail.com

Comentários

  1. Sem contar que todos ali jogam pelo amor ao futebol e não pelo dinheiro… E o jogo só acaba quando a bola some! kk
    Muito bom, gostei!

  2. Parabéns por tratar de assunto tão brasileiro,melhor dizendo, brasileirissimo. Também por mais de 50 anos fui peladeiro e concordo com o comentário de Daniel Sacramento.Nas peladas de varzea ,predomina quase sempre a democracia e o domingo é dia predileto para este lazer tão especial.

  3. “É isso ai Diego, Parabéns! Você se mostra cada vez mais competente no que faz, e consequentemente valoriza o que há de melhor em nossa cultura: O futebol, mas “aquele futebol”, entre pais, filhos, amigos e colegas. Um lazer saudável que une e respeita todas as diferenças.”

  4. Interessante essa observação de que, no futebol de várzea, não há distinção social. Isso é mesmo uma verdade, mas nem sempre percebemos isso quando falamos do “futebol lá no campinho”. É importante ter pesquisas como essa, que saem do comum e dos estudos acadêmicos propriamente ditos para abordar a vida da sociedade, o dia a dia, a rotina das pessoas que fazem o Brasil ser como é.

  5. no Brasil o futebol de várzea e praticamente como uma religião,domingão sem o futy não e domingão,e é muito importantes esse trabalho da mídia para a divulgação e a historia da várzea…abç a todos e parabéns…

  6. O futebol de várzea é o lazer, o esporte e a confraternização do fim de semana. Sorte da comunidade que tem um campo de futebol por perto. O futebol integra toda a classe social, não distinguindo a vida profissional de cada individuo onde todos tem oportunidade de colaborar seja como jogador, diretor, massagista, arbitro, roupeiro ou na manutenção do campo.

  7. O futebol de várzea é o lazer, o esporte e a confraternização do fim de semana. Sorte da comunidade que tem um campo de futebol por perto. O futebol integra toda a classe social, não distinguindo a vida profissional de cada individuo onde todos tem oportunidade de colaborar seja como jogador, diretor, massagista, arbitro, roupeiro ou na manutenção do campo.

Comments are closed.