A classe C e eu

Agência Mural

Por Leandro Machado

Eu me considerava um rapaz plenamente feliz até descobrir que não sou mais pobre e agora faço parte da Classe C.

Com a informação, agora sei que há empresas, publicações, planos de marketing e institutos de pesquisa exclusivamente dedicados a investigar as minhas preferências: se gosto de azul ou de vermelho, de batata ou tomate e se meus filmes favoritos são do Van Damme ou do Steven Seagal (e dublados, por favor!).

A televisão também estudou minha nova classe e, por isso, mudou seus planos: além do aumento dos programas que relatam crimes bizarros (eu supostamente gosto disso), as telenovelas agora têm empregadas domésticas como protagonistas, cabeleireiras como musas e até mesmo personagens ricos que moram em bairros mais ou menos como o meu.

A diferença é que nesses bairros, os da novela, não há ônibus que demoram duas horas para passar nem buracos na rua.

As empresas, coitadas, viram a luz em cima de minha cabeça e decidiram que minha classe é seu novo alvo de consumo. Antes, quando  eu era pobre, de certo modo não existia para elas. Quer dizer, talvez existisse, mas não tinha nome nem capital razoável.

De modo que agora elas querem me vender carros, geladeiras de inox, engenhocas eletrônicas, planos de saúde e TV por assinatura.

Não que eu não esteja feliz com meu novo status de consumidor. (Agora mesmo escrevo em um notebook, minha TV tem 100 canais de esporte e minha mãe prepara a comida num fogão novo; se isso não for felicidade, do que se trata, então?).

O problema é que me esforço, juro, mas o ceticismo ainda me dói: demoro 2h30 para chegar ao trabalho porque o trem quebra todos os dias, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo das enchentes do bairro.

Ou seja, ao mesmo tempo em que todos querem me atingir por meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século passado. Eu e mais de 30 milhões de pessoas que não são mais pobres, mas da Classe C.

Daqui a pouco vão me chamar de comunista. Logo eu, que só li Marx na versão resumida em quadrinhos. Fazer o quê, se o que eu gosto mesmo é auto-ajuda?

 

Leandro Machado, 23, é correspondente de Ferraz de Vasconcelos.
@machadoleandro
leandro.machado@grupofolha.com.br

Comentários

  1. Pois é…a nova “classe” C não deve mesmo se conformar com expansão de crédito para consumo. E com certeza, as pesquisas deixam de mencionar que o grande desejo dessa classe é a reforma (mobilidade) urbana para que a população (que é a maior parte) deixe de fazer parte da periferia. no mais extenso sentido da palavra.

  2. Texto inteligente, esclarecedor, irônico. Basta ser da classe “C” e todos os problemas estão resolvidos. É o Brasil com a mania de tapar o sol com a “peneira” e enganar o povo. E tem gente que ainda acredita!

  3. Parabéns pelo texto! Em alguns parágrafos vc conseguiu expor o pensamento de muitas pessoas, como o meu por exemplo…

    Parabéns mesmo!

  4. pura sabedoria seu comentário,mas me responda uma coisa : VOCÊ TEM O TITULO DE ELEITOR? VOCÊ OUSA CORRETAMENTE?VOCÊ JA VOTOU NO SERRA, KASSAB,LULA, DILMA, ETC….? ENTÃO SE CONFORME COM A SUA NOVA VIDA OU RASGUE O SEU TÃO IMPORTANTE INSTRUMENTO DE DEMOCRACIA, AI SIM COMECE UMA NOVA VIDA EM UMA CLASSE ONDE TODOS SEREMOS IMPORTANTES INDEPENDENTE DE SERMOS QUALQUER TIPO DE CLASSE

  5. Texto muito bem argumentado! Parabéns!
    Talvez quando a midia fala que a classe C esta expandindo seja uma forma de maquiar os problemas que são enfreantados diariamente por tanta gente.

  6. Tenho 48 anos, carteirinha de filiação do PT, já abracei e beijei JOÃO AMAZONAS, pensamento execelente.

  7. Brilhante! Tá na hora de começarem a pesquisar e investir no que realmente essa nova classe C precisa. Que tal melhorar as condições dos seus transportes públicos, da sua educação, saúde e por aí vai…
    No final das contas, todos vão comprar mais sendo mais saudáveis, se locomovendo melhor etc.

  8. Poxa, q senhor artigo! muito melhor escrito, com melhor conteúdo e mais divertido q muitos artigos de alguns bambambãs desse jornal! parabéns!

  9. É classe C, mas porém continua pobre. E além do mais a macroeconômia é a responsável por sua ascensão. Portanto o atraso na infraestrutura do Alto Tietê e periferia da grande SP que não acompanhou o crescimento do país é de responsabilidade dos governos estadual e municipal. Precisamos a aprender delegar responsabilidades.

  10. Não entendi, vc falou que era feliz até descobrir que não era mais pobre e
    disse que tava feliz com seu novo status de consumidor. Um tanto contraditório.
    Outra coisa, a questão do transporte é inerente aos problemas da metrópole, se vc se mudar pra outra cidade, do interior talvez, será uma pessoa da classe C, mas sem problemas pra se locomover.

  11. Lindo. Amei. E jesus… como tem gente que fala groselha aqui, né, não?! rs Que bom que esse espaço é para pessoas como você, e que essa galera fica limitada a alguns caracteres aqui nos comentários!! beijão

  12. Como uma TV e demais meios de comunicação vão falar daquilo que não conhecem e suas principais referencias são esteriotipos. A vida periferica das grandes metropoles brasileiras são como países estrangeiros, a eleite e a classe média de nosso país simplesmente ignoram o que é depender de um transporte publico, usar onibus ou metro no horario de pico. Para muitos é algo altamente abstrato explicar o trabalho de se chegar do Campo LImpo até a Paulista, do Grajau até a berrine ou de Osasco para o Paraiso.

  13. Excelente texto! Tenho 52 anos e resolvi fazer faculdade…só que ninguém conhece o curso que faço: Terapia Ocupacional na Faculdade de Medicina do ABC e me apaixonei pelo curso! Você sendo tão inteligente, poderia nos ajudar a divulgar essa profissão? Obrigada e sucesso para você!

  14. Leandro, seu texto é genial na forma e esclarecedor no conteúdo. Sinto-me feliz em ver que nem todo mundo se acomodou a essas tipificações que nos veem – pois também sou da tal ‘classe C’ – com um cifrão na testa, e não como cidadão. Parabéns!

  15. conversei com “capitalismo” e “economia aquecida” e eles mandaram lembranças, mas disseram que não abrirão mão desse público alvo mesmo sabendo de quem se trata (!) – ainda que “supostamente”!. Disseram também que se o sr estudante encontra-se infeliz e em crise de identidade por não saber a que classe pertence, isso é normal da idade – vai passar. Cuidado apenas para não vender velhas obviedades improdutivas e preconceituosas por novidades, subvalorizando seus próprios potenciais criativos e amesquinhando-se numa visão limitada, como muitos fazem, diante de uma profissão tão bonita como o jornalismo.

  16. É Leandro eu também me sinto assim. Acordo com uma gravação da operadora de celular querendo me oferecer outro plano. Durante o dia trabalho na região da Av Paulista coração econômico financeiro da cidade. À noite, depois de horas no trânsito, chego em casa para dormir, num bairro bem afastado na periferia que possui asfalto há pouco mais de uma década, e muitos problemas no dia a dia, situações que eu tenho mostrado nos meus textos aqui no Blog Mural

  17. com um povo ignorante, que acha que se endividar com cartão de crédito, é estar melhor na classe economica, só pode dar nisso.
    veja os níveis de inadimplentes, o quanto aumentou
    nem vou me alongar. pobre classe “C”, de coitados.

  18. Este site on-line pode ser uma caminhada , por meio de toda a informação que você queria sobre isso e não sabia a quem perguntar. Glimpse aqui, e com certeza você vai descobrir isso. Desejo-lhe sorte !

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