Sem ônibus na zona norte, usuários têm ‘Dia de Caridade’ e improviso

Agência Mural

PERUS 

A noite de segunda-feira (10) marcou o início de uma semana atípica. Diferente dos outros dias caóticos, o trem demorou menos de 30 minutos da Barra Funda até Perus, na zona norte de São Paulo. Sorte para mim, que cheguei em pouco tempo até o meu bairro.

Mas, os ônibus incendiados na Brasilândia, também na zona norte, provocaram a paralisação de diversas linhas na região.

Na praça central do bairro, por volta das 20h30, uma multidão esperava o ônibus Cemitério Perus. Enquanto isso, duas pessoas na rua falavam que iriam a pé, já que o coletivo não circulava no ponto há mais de uma hora. Olhei para o outro lado da via e a silhueta da lotação que costumo tomar para substituir o meu ônibus apareceu.

A esperança no fim do túnel logo se diluiu. Mesmo parada no ponto, a cobradora e o motorista tiravam o nome do destino – Terminal Vila Nova Cachoeirinha – e falavam em alto e bom som: “Só vai até a Cohab! Só vai até a Cohab de Perus!”

Segundo a cobradora, aquele era o “dia da caridade”, já que eles liberaram a parte costeira da perua para os passageiros subirem. Ninguém entendia muito bem.  A única explicação dada era a de que os veículos da linha estavam sendo incendiados e eles precisavam sair do circuito rapidamente.

A perua chegou à minha casa em cinco minutos. Agradeci. E a lotação seguiu seu destino até a Cohab. Me senti como Josef K., personagem do livro o Processo, do escritor Franz Kafka, vivendo uma situação sem saber bem a razão. Mas o morador da periferia tem a sina de, desde criança, aprender a lidar com as arbitrariedades do seu próprio cotidiano.

BRASILÂNDIA

No Terminal Vila Nova Cachoeirinha, passageiros desembarcavam da região central sem opções para completar seus destinos aos bairros, por volta das 23h. Nos letreiros das plataformas, o aviso “operação finalizada” surpreendia e desanimava.

Do lado de fora do terminal de ônibus, carros particulares, vans escolares e kombis enchiam rapidamente, como no final dos anos 90, oferecendo viagens aos bairros da região. Cobradores improvisados encaixavam-se em porta-malas para ceder mais espaço no interior de veículos pequenos.

Muitos ligavam para os familiares contando o que acontecia e pedindo ajuda. A auxiliar de loja Letícia Arruda de Souza, 20, bem que tentou, mas o irmão não conseguiu sair com o carro do bairro para buscá-la, por conta de bloqueios na avenida Deputado Cantídio Sampaio.

Na ânsia de voltar, eu, ela e um jovem até pensamos em rachar um táxi, que, segundo alguns, já inflacionava as tarifas. Desistimos da ideia e pegamos a lotação com final mais próximo ao nosso bairro. No veículo, os comentários sobre os ônibus queimados, que causavam a paralisação do transporte público. Emprestei ainda R$ 3 para o vizinho, que só tinha o Bilhete Único – obviamente, não aceito nos transportes de última hora.

Por volta da 1h, fizemos um tour pelos morros do Jardim Vista Alegre e Jardim Paraná, para chegar ao Jardim Damasceno. Ruas vazias, noite enluarada e viaturas das PMs circulando apagadas nos fizeram companhia.

Jéssica Moreira, 22, é correspondente de Perus
@gegis00
jessicamoreira.mural@gmail.com

Cleber Arruda, 32, é correspondente do Jardim Damasceno
@CleberArruda
cleber.mural@gmail.com

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