Moradores da zona norte criam monólogo para discutir a periferia
Falar sobre a periferia de São Paulo, com temas como crime, família, amor, as brincadeiras de criança, os sonhos, as lembranças do tempo de escola e os preconceitos sofridos por morar numa região periférica. Esse foi o mote do monólogo “Barraco de Pedra”, apresentado na última quinta-feira (14), na Fábrica de Cultura do Jaçanã, na zona norte.
A peça foi escrita e encenada pelo ator William Gutierre, 30. Com um texto que traz gírias na fala do personagem, trilha sonora composta por funk e rap, o clima atraiu a atenção de um bom público para uma noite fria no meio da semana – cerca de 100 pessoas acompanharam a apresentação, com todas as cadeiras ocupadas e alguns de pé.
“Faz dez anos que comecei a fazer teatro e pela primeira vez apresentei na quebrada onde moro”, comenta Gutierre, que exemplifica a importância da apresentação com uma frase do escritor russo Leon Tolstói: ‘Se queres ser universal, fala da tua aldeia’. “Queria falar de periferia sem mostrar apenas o lado ruim, é um desafio fazer esse contraponto”, completa.
Entre os sons que compuseram o monólogo estava ‘Plaquê de 100’, do MC Guimê, e o início de ‘Diário de um Detento’, dos Racionais Mc’s. “Aqui estou, mais um dia/Sob o olhar sanguinário do vigia”. Os trechos foram acompanhados pelo público composto, principalmente, de jovens que filmavam as cenas em seus celulares.
William Gutierre faz parte do coletivo ‘Favela Em Cena’ ao lado do diretor da peça André Persant, 34, e Dj Pow. O grupo passou meses ensaiando no espaço da Fábrica de Cultura do Jaçanã. Gutierre e Persant são moradores do Jardim Fontális, na zona norte.
Persant diz que o objetivo é ampliar o uso social do espetáculo nos bairros da capital, tanto para a região quanto para os atores. “Queremos não apenas trazer o teatro para a periferia como trazer as pessoas do teatro para conhecerem a periferia, para criar uma consciência social nos artistas”.
O tema atraiu professoras e alunos da escola municipal de ensino fundamental Octavio Pereira Lopes, localizada no Jaçanã, em especial as turmas EJA (Escola de Jovens e Adultos) e moradores da região, que vão discutir a apresentação em sala de aula.
“Trabalhamos com a autoestima dos alunos que depois de tantos anos decidiram voltar a estudar. Viemos conhecer o bairro, ver de perto a realidade dos alunos”, afirma a professora de artes Gislaine do Espírito Santo, 40. “Também moro na periferia e nós temos os mesmos problemas, os mesmos sonhos. Agora vamos usar os temas mostrados na peça em sala de aula”.
“O monólogo trouxe conflitos que fazem parte da realidade dos alunos”, conclui a professora Márcia Fernandes de Oliveira, 51.
Aline Kátia Melo, 31, é correspondente da Jova Rural
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Gostaria de dar a devolutiva que tivemos dos alunos sobre o tema tratado. Todos avaliaram de forma muito positiva a atuação e o conteúdo do monólogo, por retratar e nos fazer refletir sobre o dia-a-dia em nossa região. Nossos cumprimentos ao William Gutierre.
Obrigada pelo retorno professora Márcia!