‘A periferia pode ser, em termos econômicos, o centro da cidade’
Criar um forte vínculo com seu entrevistado a fim de extrair uma história emocionante – mas sem perder a ética jornalística e os moldes objetivos da narrativa. Um trabalho delicado, trabalhoso, quase artesanal, e por isso ensinado por poucos. Uma dessas pessoas é Fabiana Moraes, repórter especial no Jornal do Commercio, em Recife (PE).
No início deste mês (04), Fabiana visitou São Paulo para ministrar uma palestra no 10º Congresso Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) sobre seus trabalhos – em especial “O nascimento de Joyce”, reportagem que resultou em livro do mesmo nome e conta a história de uma mulher transexual do agreste pernambucano.
Fabiana tem formação em jornalismo e é doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Suas pesquisas acadêmicas e reportagens são focadas na (in)visibilidade de grupos vulneráveis por questões raciais, sociais e/ou de gênero. O Mural realizou uma entrevista exclusiva com a repórter, que pode ser conferida logo abaixo.
Mural: Fabiana, na sua palestra foi citada a proximidade que um repórter chega a ter com sua fonte. Em nosso trabalho de correspondente comunitário, muitas vezes entrevistamos ou criamos perfis de amigos de infância ou vizinhos. Como estabelecer uma distinção nesse tipo de relacionamento?
Fabiana Moraes: É mais difícil quando entrevistamos pessoas de muita proximidade. É interessante pensar nisso: quando não conhecemos a fonte, queremos de toda maneira nos aproximar. Quando a conhecemos, queremos nos afastar. O ponto de equilíbrio parece ser complicado, mas acho que uma boa dose de bom senso e honestidade são suficientes.
Você é repórter no Recife. Apesar do termo periferia ser muito ligado a São Paulo, temos visto esse cenário também nas metrópoles do Nordeste e no resto do Brasil. Nos diga um pouco mais sobre isso.
Não acho que periferia seja um termo próprio de SP. Na verdade, ele precisa mesmo ser discutido. A periferia pode ser, em termos econômicos, o próprio centro da cidade. Aqui, por exemplo, bairros de baixíssimo IDH estão localizados na área central. E teimamos em ler periferia como um lugar distante de ‘onde as coisas acontecem’ e geralmente muito pobres. Como diz a canção: ‘periferia é periferia’ – inclusive existem aquelas de ordem afetiva.
O nosso trabalho se depara com muitos estereótipos e constantemente tentamos evitar vícios, como o termo “carente” para se referir a comunidades periféricas. Em sua opinião, o que um jornalista precisa fazer para evitar esses velhos conceitos?
Basta colocá-los sob um holofote e analisá-los através da pergunta: essa verdade é uma verdade absoluta? Travestis são sempre prostitutas? E quando prostitutas, o que leva tantas a irem para a rua? Pretos são sempre vítimas ou bandidos? Por que todas as vezes que falamos sobre racismo, alguém sempre relativiza o evento que gerou a ação racista? É assim, através da desconstrução das coisas, que podemos fissurar velhos conceitos, desestabilizar a nós mesmos.
É entendido que o público da dita “classe C” costuma se identificar com jornalistas de muita opinião e parcialidade, como âncoras de programas policiais. Como um veículo ou comunicador pode cativar esse público, sendo imparcial e neutro?
Eu não acredito em imparcialidade, esse é um dos velhos conceitos. Eu jamais sou imparcial, isso seria defender a mais pura objetividade. Acho que um público é cativado quando sente que há uma relação mais aberta e honesta, quando um fato é trabalhado em várias frentes. Mas, fique claro, sempre teremos um público mais conservador, que é arregimentado por esse jornalismo tantas vezes irresponsável.
Existem exemplos terríveis de jornalistas que esquecem que sua função também é pedagógica, ou pior, sabem dessa função e a utilizam da mais lamentável maneira possível. Mas acredito que há uma cobrança maior pela qualidade do jornalismo.
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Jéssica Costa, 24, é correspondente de Taipas
Jessicacosta.mural@gmail.com
@eujessicacosta
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