Em Guaianases, a imigração virou arte
“Mano, tira esse capeta desse beco. Quando eu acordo cedo e olho pra cá, parece que o bicho tá me olhando.” A frase dita no último domingo (19), pelo morador Joaquim do Cristo, 58, que se referia ao único grafite presente numa viela que fica ao lado da estação de trem do bairro. O desenho na parede traz a representação do demônio coagindo um menino a usar drogas.
Por volta das 9h, como combinado, começaram a chegar os primeiros grafiteiros. Eles se organizaram para mudar o lugar que, na maior parte do tempo, é usado como passagem pelos moradores. As obras a serem pintadas eram sobre a África e a diáspora negra no país, para ilustrar parte da realidade imigrante presente no bairro.
“A nossa intenção é fazer com que os nossos irmãos negros se sintam acolhidos aqui”, comentou o organizador da ação, João Paulo Alencar, 27, o Todyone, que nomeou o lugar como o “Beco dos Blacks”.
André da Silva Mourão, mais conhecido como Abstrato, mora em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, e levantou às 6h para colaborar com a ação. “Na semana, trabalho em fábrica, sou rebarbador de peças. E no meu tempo livre procuro pintar em vários lugares. É um hobbie”, afirmou antes de começar a desenhar.
Enquanto alguns artistas começavam a rabiscar os muros, outros separavam as tintas. Em determinada hora, começou a divisão dos espaços que seriam reservados para cada um. No final, ficou decidido que os muros seriam intercalados com desenhos e tipografias.
Encostado no muro, com o celular tocando rap, Alisson Bispo, 19, foi uma das pessoas que chegou logo cedo para acompanhar as pinturas e esperou até os grafites ficarem prontos.
Para ele, tratar sobre imigrantes é importante, pois o bairro é feito deles e a cultura africana está presente em toda população. “Aqui pelo bairro, eles vendem coisas das terras deles e eu gosto de comprar coisas diferentes”, exemplifica.
Durante todo o tempo, a viela ficou cercada de pessoas curiosas com a intervenção, entre elas, dezenas de imigrantes que iam e voltavam das igrejas espalhadas pelo bairro.
“Eu vim pro Brasil por causa do futebol”, puxou conversa o senegalês Abdoul Barro, 35, que logo cedo passou pelos grafiteiros, pois a viela é parte do caminho que ele faz para chegar até a estação de trem, onde vende fones de ouvido, capas para smartphones e outros equipamentos eletrônicos.
De maneira descontraída e intercalando a fala entre o francês e o português, elogiou a iniciativa. Também disse sobre a alegria de ver representações de sua gente em um muro do bairro que o recebeu, além de também apontar para as bandeiras africanas.
Já o nigeriano, Anthony Udekwe, 45, contou que veio em Guaianases depois de uma crise política que se intensificou em seu país. Primeiro, parou para olhar os desenhos, quase prontos, e depois pediu para que o grafiteiro Todyone desenhasse um símbolo importante para os imigrantes africanos.
Após do pedido realizado, apontou para uma parte do desenho e complementou: “O sol do mundo veio da África, por isso é importante falar de lá”.
Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso.mural@gmail.com