Salve Kebrada resgata memórias do Jaraguá com vídeos e grafite

Agência Mural

Foi em uma prosa de bar em Mariana (MG), mesclada às saudades de sua quebrada, que o historiador Rodrigo Benevuto, 29, teve a ideia de criar um projeto que contasse a história de seu bairro, o Jaraguá, situado na região noroeste de São Paulo.

“Eu estava com saudade e não tinha nenhum material para consultar a história, nem a trajetória das pessoas”, relembra.

Foi assim que ele fundou o  Coletivo Salve Kebrada que, desde 2016, busca dar visibilidade às histórias não contadas do Jaraguá, com o objetivo de mostrar a realidade e fomentar a auto-estima dos moradores, por meio de sua própria memória, com vídeos, grafites, eventos culturais e palestras em escolas.  

Com entrevistas de moradores do bairro, eles fazem os registros e, como forma de  agradecimento, articulam com grafiteiros a pintura de ruas e arredores daqueles que dão depoimentos.

Até agora, o coletivo já coletou histórias de grupos de rap, como Império ZO, conhecido por suas batidas e letras contestadoras na década de 1990, padres, pastores, grupos de funk, comerciantes e, principalmente, representantes do movimento negro e indígena, como é o caso da entrevista realizada com Sonia Barbosa, ou Ara Mirim, líder indígena da aldeia do Jaraguá.

Ara Mirim, liderança da Aldeia do Jaraguá (Foto: Xuxão/Divulgação)

“Segundo ela, na região do Pico do Jaraguá, os portugueses e colonos exploraram o pouco de ouro que havia e escravizaram indígenas e africanos e seus descendentes. Eles sentem as energias até hoje e tem até uma senzala no local”, descreve.

“Nos anos 1960, foi iniciada a retomada indígena dessa área considerada pelos indígenas como sagrada por meio da família de uma senhora chamada Jandira. Jaraguá significa ‘Senhor do Vale’, em Guarani”, completa.

O material final é gravado em DVD e será armazenado na Biblioteca do CEU Pêra Marmelo, onde fica livre para consulta pública e pode servir como material didático aos professores da região. Também é possível acompanhar parte do trabalho nas redes sociais.

“É importante reconhecer que as quebradas são permeadas pela oralidade em um nível muito maior do que a escrita formal. Existe uma coisa muito original na quebrada que são as ‘linguagens de classe’ que envolvem gírias, jeitos de falar e ressignificações”, afirma Rodrigo.

GRUPO

Formado por outros jovens do bairro, como o grafiteiro Robinsom dos Anjos Bezerra (Jamal), 30, a poeta Larissa Cordeiro, 24, a educadora Talita Lima de Araújo, 28, a historiadora Ana Paula Delfino, 27, e o músico Alexsandro de Lima Sandro, 31, a inspiração para a escolha do nome Salve Kebrada vem da necessidade de mostrar a face positiva de expressões que sempre foram utilizadas de forma negativa sobre as bordas da cidade.

“A partir das lutas sociais dos anos 1980, como os mutirões ou, então, do rap dos anos 1990 e do funk dos anos 2000, o termo quebrada foi ressignificado e, hoje, temos orgulho dos nossos locais e queremos desenvolvê-lo”, explica.

O projeto utiliza uma antiga e potente ferramenta: o boca a boca. A partir das histórias contadas pelas ruas do bairro, recebem novas indicações de entrevistados.

Dona Giudete. Mulher negra, baiana, participa de movimentos do bairro e de moradia desde os anos 1980 (Foto: Xuxão/Divulgação)

Antes de gravação em vídeo, é realizada uma entrevista prévia em áudio, em que o grupo se apresenta e tenta criar mais afinidade com a pessoa entrevistada. Posteriormente, são filmadas entrevistas sobre a história de vida, o que, consequentemente, traz também as memórias do bairro.

“Percebemos que esta é uma forma de valorizar as pessoas. Quando chegamos com gravador, câmera, muito respeito, interesse e simpatia (risos), a resposta é positiva. Além deles contarem muitas histórias, indicam outras pessoas e isso vai se tornando uma rede muito da hora”, diz Rodrigo. “As pessoas percebem que histórias que achavam que eram comuns, na verdade são muito importantes”.

Na última etapa, o material é editado, gravado em DVD e armazenado na Biblioteca do CEU Pêra Marmel, onde fica livre para consulta pública e pode servir também como material didático aos professores da região.

PONTO DE ÔNIBUS

Uma das histórias curiosas transmitidas pelos moradores do Jaraguá aborda o protesto por um ponto final de ônibus e a ampliação das linhas, nos anos 1980. “Só tinha uma linha de ônibus, que ia da igreja do Jaraguá até o centro, muitos trabalhadores que moravam longe tinham que caminhar muito até chegar no ponto final”, narra o grupo.

Após reivindicações de associações de bairro, sem resposta da prefeitura, uma mudança ocorreu, mas por uma ação narrada por alguns moradores.

“Num belo dia de 1984 resolveram pegar a cabine do fiscal da Santa Brígida (com o fiscal dentro reclamando) e levaram até o Jardim Ipanema, cerca de 2 km mais pra frente da igreja. Num belo dia, satisfeitos repararam que o pessoal da Vila Aurora pegou a cabine e estendeu mais 1,5km. O ponto final de três linhas de ônibus do Jaraguá até hoje é neste local onde os moradores fizeram essa ação”.

Jéssica Moreira é correspondente de Perus

jessicamoreira.mural@gmail.com

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Comentários

  1. orgulho desse projeto e por ver e estar inserido nesse bairro! parabens aos envolvidos e a jessica moreira pelo belo texto!

  2. Não me canso de repetir: Satisfação imensa em fazer parte disso!
    Parabéns e obrigada pelo texto Jéssica!

    unidxs seguimos

  3. Muuito boa essa história do busão. Esse ponto final é em frente de casa. Lembro até hoje da inauguração oficial em 1994 mais ou menos .Eu criança vendo a Banda de Fanfarra, provavelmente da Viação Santa Brígida, tocando seus instrumentos foi uma cena muito marcante. Parabéns ao trabalho do Coletivo.

  4. Salve Rodrigo!! Viva Jaraguá!!
    Terra preciosa, somos responsáveis pela ecologia da cidade; 4° maior área verde de SP. Orgulho viver aqui e veja a nossa história é de nossos índios ganhando destaque. Resistência e amor.

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