Criatividade nas periferias vem da ausência do Estado, diz morador do Campo Limpo em evento
“É importante que a gente não romantize a inventividade que existe nas periferias, pois ela advém da ausência do Estado”, afirma Tony Marlon, jornalista e morador do Campo Limpo, bairro da zona sul de São Paulo, durante o Seminário ‘Periferias Urbanas: territórios de desafios e possibilidades no enfrentamento das desigualdades’.
O evento, realizado na segunda-feira (26), no auditório da Fundação Getúlio Vargas – FGV, no centro da cidade, foi promovido pela Fundação Tide Setubal, em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV EAESP.
O encontro reuniu especialistas com diferentes experiências e vivências sobre o tema para aprofundar o debate sobre os desafios das periferias em um cenário de desigualdades socioespaciais, além das oportunidades de transformações a partir de um olhar para o território.
Tony, ativista e mobilizador em sua região, já indicado para o Prêmio Empreendedor Social, destacou durante sua fala em uma das mesas do encontro a necessidade de um olhar mais profundo e mais crítico sobre o potencial criativo dos territórios periféricos.
“É importante que a gente não romantize a inventividade que existe nas periferias, pois ela advém da ausência do Estado. Nós, da periferia, estamos criando soluções, sim, mas porque estamos totalmente à margem daquilo que já existe”, comentou.
Ele citou que esses espaços ainda precisam de investimento e as pessoas têm necessidades que as permitam produzir em condições de igualdade com as mais favorecidas.
Durante o encontro ocorreu o lançamento de uma publicação especial da revista Página 22, produzida pela equipe da FGV EAESP, com reportagens, entrevistas e artigos sobre questões que envolvem os conceitos centro-periferia e a potência dos territórios de alta vulnerabilidade.
A publicação aborda fatores que influenciam e dificultam a tomada de decisão dos gestores públicos na execução de políticas públicas que deem conta das especificidades das regiões periféricas. A edição especial está disponível em formato digital.
Neca Setubal, presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal, destacou a importância da transparência de dados e indicadores territoriais para promover maior participação política das comunidades.
“Temos poucos dados georreferenciados que, de fato, consigam chegar às diversas localidades, e aqueles que temos não são transparentes, o que dificulta o acesso da população. É importante que essas informações sejam traduzidas para que a sociedade possa compreender o que significam”, afirma.
A diretora da organização social Redes da Maré e do Instituto Maria e João Aleixo, Eliana Souza e Silva, moradora do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, participou do seminário e comentou sobre a ausência de dados sobre as favelas cariocas, e como isso implica na não representatividade de sua população.
“Há pouco tempo os mapas indicavam as comunidades como grandes manchas, sem casas, como se não tivesse vida lá”, relatou.
Apesar de alguns avanços nas cartografias da cidade, Eliana diz acreditar que são necessárias mais políticas públicas, incluindo de segurança pública para proteção da população.
“De uma maneira geral, as conquistas aconteceram. No entanto, sem dúvida esses resultados se deram muito pela luta dos moradores. Na Maré, conseguimos diversos equipamentos públicos, mas precisamos agora fazer com que eles funcionem. Isso porque o próprio poder público não acredita que o equipamento possa funcionar dentro da favela”, conclui.
Lívia Lima é correspondente de Artur Alvim
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