Indígenas lutam pela demarcação de área no Jaraguá e fazem ato na Paulista

Agência Mural

São 10h da manhã de um domingo de sol que bate forte no Pico do Jaraguá, o ponto mais alto da cidade de São Paulo, na zona noroeste da capital. A poucos metros dali, um grupo de jovens se debruça em uma faixa e escrevem em letras largas a expressão que pretendem ecoar  em protesto na avenida Paulista nesta quarta-feira (30): “O Jaraguá é Guarani.”

A manifestação foi marcada para o fim da tarde desta quarta, mas uma outra ação já havia começado pela manhã, próximo ao metrô Consolação.

O ato, convocado pelas lideranças que compõem as cinco aldeias do Jaraguá -Tekoa Pyau, Tekoa Ytu, Itakupé, Ita Wera e Ita Endy-, foi organizado após o governo federal anunciar a Portaria nº 683/17, e que anula o reconhecimento de 512 hectares (5 milhões de m²) como área indígena.

O texto assinado pelo ministro da Justiça Torquato Jardim contradiz a portaria anterior, publicado ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Com a medida, os indígenas da região terão de seguir aglomerados em apenas 3,2 hectares de terra (cerca de 30 mil m²), sendo essa a menor reserva indígena demarcada em todo o Brasil.

“Colocar 700 pessoas em uma área de 3 hectares não é vida, é uma sobrevida, né? Queria que o governo respeitasse o povo indígena como população”, diz a índia Sônia Barbosa (Ara Mirim, em guarani), 42, liderança na aldeia e membro da Associação Guarani.

O governo federal alega que a medição anterior “abrange quase integralmente o Parque Estadual do Jaraguá”, e que a demarcação foi feita sem participação do Estado de São Paulo.

O estado havia entrado com uma ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a demarcação, pois afirma que o espaço delimitado pela portaria anterior inclui cerca de 60% da área de proteção ambiental que integra o parque e não pode sofrer ação humana.

“A terra é nossa mãe e ninguém quer ver sua própria mãe sendo machucada. As populações indígenas estão dentro das áreas para proteger o que o criador fez. Mas o governo acha que não, que nós estamos desmatando. Quem desmata são eles”, diz Sônia.

Para o rapper Hebert Martin (MC Wera Djekupe, em guarani), que reside na aldeia, todo o processo tem relação com um desejo de privatização do parque.

“A gente fica de mãos atadas. Eles não demarcam nossa terra. Privatizam a mata para que a gente não possa ter uma terra indígena no meio do mato”, comenta o rapper.

HISTÓRIA

As primeiras famílias indígenas a habitarem a região do Jaraguá chegaram em 1966, quando Jandira Kerexu Augusta Vinicius Guarani e seu marido Joaquim Kuaray Augusto Martins Guarani vieram do litoral paulista para o local trazendo seus oito filhos, formando a primeira aldeia da região, a Tekoa Ytu.

Apenas em 1987 a área foi reconhecida como uma terra indígena, com uma reserva de quase dois hectares. Como havia um terreno abandonado em frente, alguns familiares de Jandira ocuparam o espaço e criaram A Tekoá Pyau, em 1996.

Desde então, a população aguarda o Ministério da Justiça emitir a demarcação, para que a terra fosse considerada como território tradicional indígena, já  que a Funai (Fundação Nacional do Índio) já reconhece.

A portaria assinada em 2015 era vista como uma vitória pelos indígenas, que desde 2000 lutam pela regularização por meio da Associação Indígena República Guarani Ambá Verá.

“Onde há populações indígenas, são terras indígenas, demarcadas ou não. A partir do momento que tem uma família, ela é considerada terra indígena. O Brasil inteiro é uma terra indígena”, defende Sônia.

“Precisamos da aldeia demarcada. Precisamos da mata para termos os nossos recursos de remédio, comida, moradia”, ressalta Herbert.

O rapper Herbert Martin afirma que demarcação esbarra nos interesses em privatizar área (Jéssica Moreira/Folhapress)

LUTAS

Desde a última terça-feira (22), quando receberam a notícia do cancelamento da demarcação, a população indígena vem se articulando para garantir seus direitos pela terra. A correria e o cansaço tornaram-se um traço marcante para aquele que seria um dos primeiros dias de uma semana cheia acontecimentos .

Alguns estavam se organizando para ir até Brasília, enquanto outros pensavam os últimos detalhes do ato contra a revogação programado para esta quarta(30).

“Enquanto eles tiverem o poder da decisão, eles vão entrar com várias ações. De um dia para o outro, eles colocam um projeto de lei, eles inventam ali um projeto de lei para derrubar”, aponta Sônia.

No sábado que antecedeu essa entrevista, homens, mulheres e crianças se reuniram em oração até as 4h da manhã, o que, para eles, é o modo como melhor podem tomar suas decisões.

Segundo Tupã, um jovem indígena de 20 anos, toda noite eles rezam para que Nhanderu (Deus) preserve suas terras. “Para o juruá (homem branco, em guarani) a terra significa dinheiro. A relação do índio com a terra é outra, é de aprendizado”.

A fala de Tupã é ecoada por toda aldeia. Sônia conclui que com a revogação, o governo não retiraria apenas as terras, mas também toda a história, cultura e direitos da tribo. “E um povo sem direitos, é um povo morto”, completa.

Jéssica Moreira, Paula Rodrigues e André Santos
Correspondentes de Perus, Vila Albertina/Tremembé e Jardim Fontális

Comentários

  1. Bela reportagem! Parabéns Jessica, Paula e André. ….Gostaria de parabenizar a minha afilhada e sobrinha Paula Rodrigues….vá em frente pois Deus lhe abençoará infinitamente. …Grande beijo

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