Opinião: Periferias sofrem com mudanças do clima, mas ficam de fora do debate mundial

Agência Mural

Todo ano, começa o verão e as águas das chuvas  invadem comércios e ruas em Guaianases, na zona leste de São Paulo. Desde pequeno, sei que isso vai acontecer no ano seguinte novamente, mesmo com todos os prejuízos das pessoas.

Essa situação e tantas outras, como a questão de moradias em áreas irregulares e a falta de saneamento básico eram temas que esperava ver serem discutidas na COP, conferência climática internacional realizada entre 6 e 17 de novembro, em Bonn, na Alemanha.

Afinal, se chove mais ou menos por causa das mudanças no clima, os reflexos se darão em Guaianases e em tantas outras áreas periféricas pelo mundo.

Imaginava também que as pessoas que sofrem com isso seriam convidadas a debater, para acrescentar outras perspectivas às discussões. Ali parecia o lugar ideal para pensar políticas urbanas que deram certo em outras cidades.

No estande do Brasil, havia a promessa do lugar ser espaço para “divulgação, encontros, seminários e confraternização, com a participação de governos, sociedade civil, academia e setor produtivo”. No entanto, nas nove vezes que fui ali, vi pouquíssimas pessoas da sociedade civil. A programação não falava de enchentes, saneamento básico, moradia e transporte público, coisas tão comuns na vida de quem mora nas bordas da cidade.

Durante os dias que estive lá, conversei com alguns especialistas, que reforçaram a importância de pensar quais políticas devem ser adotadas nos lugares mais vulneráveis do planeta. Um deles foi Gustavo Pinheiro, coordenador de Economia e Política Climática do Instituto do Clima, que afirmou existir uma relação direta entre vulnerabilidade social, condição social e eventos climáticos históricos.

“No Brasil, percebemos que as pessoas que habitam a periferia muitas vezes não tem esgoto, as moradias estão em áreas que não foram oficialmente urbanizadas. Na zona sul de São Paulo, por exemplo, há ocupações em mananciais, mais suscetíveis a enchentes”, diz.

Vital de Oliveira Filho, do projeto Hospitais Saudáveis, reforça a necessidade de incluir os lugares pobres no debate, por estarem mais expostos aos eventos extremos. “A trajetória atual é uma bomba relógio, um desastre anunciado”, avalia .

Em busca de respostas, tentei uma entrevista com o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV). Gostaria de perguntar como ampliar a coleta seletiva de lixo nas favelas, uma vez que em algumas áreas não são atendidas de forma adequada nem pela coleta regular ou como o governo federal vê a relação entre meio ambiente e desigualdade social, entre outras questões

No entanto, recebi o retorno de que minhas perguntas estavam muito “genéricas e que fugiam um pouco da área tratada pelo MMA”.

Este caso é um exemplo de como é preciso que os governos reconheçam as maiores vítimas das tragédias ambientais e assim, as incluam no debate sobre as mudanças climáticas. A COP também é conhecida como a Conferência das Partes e precisa perceber que uma parte do mundo não foi incluída na discussão.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso.mural@gmail.com

O repórter da Agência Mural viajou a convite do Climate Journalism e do ICS (Instituto Clima e Sociedade), como parte de um projeto para incentivar a produção de jovens jornalistas sobre temas relacionados às mudanças climáticas e a mobilidade urbana.