Projetos de moda e vídeo são premiados por empreendedorismo no Jabaquara
Em frente ao espelho, uma das dezenas de clientes que procuram mensalmente Fabiana Silva, 38, buscam atendimento que vai além da roupa. Frases como “Não sabia que eu era tão bonita” e “onde eu estava todo esse tempo” são comuns durante o atendimento.
Insatisfeita em não se ver representada em padrões, Fabiana criou a Silva&Silva Luluzinha Boutique e atende mulheres com serviços que vão de consultoria de moda ao atendimento psicológico. O trabalho levou a conquista do prêmio Agito Cultural.
O prêmio, criado por um jornalista no Jabaquara, na zona sul da capital, visa estimular iniciativas populares e de empreendedorismo e impacto social nas periferias de São Paulo.
Iniciativas como a da empresária estão cada vez mais comuns entre as mulheres. Dados do levantamento Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016, feito em parceria do Sebrae com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade, mostra que a taxa de empreendedorismo feminino entre os novos empreendedores é de 15,4%. A masculina é de 12,6%.
“Temos sim a capacidade de empreender e desenvolver projetos culturais que contribuam com a sociedade dando visibilidade na tentativa de unir forças”, enfatiza Fabiana.
Sua empresa aposta na moda para potencializar diferentes estilos. “Existem lindezas baixas e altas, cheinhas, curvilíneas, com narizes pequenos e grandes, com lábios grossos e finos, com seios de todos os tipos, com quadris de todos os tamanhos, com barriga e sem barriga, com 19 ou com 70 anos, com cabelos compridos ou curtos, ralos ou vastos”, defende em sua página no Facebook.
“Gostar de si mesma é, sim, uma grande qualidade. E deveria ser uma meta de toda mulher. É nessa busca que a roupa que a gente veste todo dia pode ser de grande ajuda”.
PRÊMIO E DIVERSIDADE
O ponteiro já marca 19h30. A correria toma conta do auditório Carolina Maria de Jesus, no Centro de Culturas Negras do Jabaquara, na zona sul de São Paulo. No palco, uma mesa central, um Dj, um púlpito e uma mesa, de onde saem as medalhas e certificados.
Sem patrocínio, o Agito Cultural surgiu pela parceria entre o programa on-line PopStilo com a Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura (Abrasci) e contou com uma cerimônia solene no final do mês passado.
Empreendedores, artistas, influencers digitais e profissionais da comunicação lotaram as cerca de 100 cadeiras do auditório. “Não temos patrocínio, mesmo assim, não faltou nada do que planejamos”, conta Anderson John, idealizador do prêmio.
Negro e morador da Vila Santa Catarina, nas proximidades do Jabaquara, Anderson diz que foi no apoio familiar que driblou a dificuldade no acesso às oportunidades. Com ajuda da internet, realizou o sonho em se tornar comunicador.
À frente do programa PopStilo há dez anos, ele comenta que a atração contava a história de pessoas que tinham profissões diferentes de seus hobbies, como um médico que de noite trabalhava com música. No entanto, foi com quadros musicais que o programa ganhou seguidores, apresentando artistas até então desconhecidos, como o cantor de funk Mc Guimê.
Os homenageados são indicados por participantes do ano anterior e por outras pessoas a Anderson, responsável pela seleção final com base no papel social dos projetos.
A falta de representatividade e diversidade em eventos que premiam artistas e pessoas da sociedade civil é apontada pelo jornalista como um dos fatores decisivos para criar a premiação. “Temos que reconhecer esses projetos, pois muitas vezes as políticas públicas e de fomento não atendem as demandas e as características do povo”, comenta.
Todo ano, novas categorias surgem, mas algumas são fixas como a de empresários, na qual Fabiana foi uma das homenageadas da noite.
Também premiados, Samuel de Paula, 30, e Valter Rege, 33, designer e cineasta, respectivamente, intercalam o tempo entre as profissões e os canais no Youtube “Guardei no Armário” e “Energia Positiva”, o segundo, gravado em cima de uma laje na periferia do bairro Vila Clara, também na zona sul.
“Esse prêmio contempla quem geralmente não é visto”, diz Valter, que aborda temas como empoderamento negro e homossexual periférico em seu canal. “O Agito Cultural vem para reconhecer o esforço que fazemos mesmo sem remuneração, ainda que pessoas digam que não dará em nada”, comenta Samuel. “Enquanto ocuparmos esses espaços teremos motivos para comemorar”, finaliza.
Vagner Vital é correspondente do Jabaquara
vagnervital.mural@gmail.com