Moradores de São Bernardo temem ser retirados de bairro onde vivem há 50 anos
Com casas de alvenaria e um processo de desapropriação em andamento, moradores da Vila Moraes, ou “Favela do Robertão”, vivem um momento de incerteza em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.
Em 24 de novembro, cerca de 70 famílias foram retiradas do local, por conta da ocupação de uma área de preservação ambiental.
No entanto, os outros moradores, alguns com décadas na região e cadastro na prefeitura, estão com receio da truculência da ação e de também sofrerem a derrubada dos imóveis, em um bairro que tem mais de 50 anos de existência.
Nesta segunda-feira (11), a prefeitura enviou tratores para a região, mas nega que irá retirar quem está cadastrado. Ao todo, são 431 famílias.
A comunidade recebeu esse nome ainda nos anos 1960 por conta de Felisberto Evaristo, o “Robertão”, antigo caseiro do terreno e pai do pedreiro Ademir Evaristo, 51, que ainda hoje vive no espaço.
“A situação está difícil, temos medo de sair de casa, e quando voltar, não encontrar nada. Para onde vamos?”, conta. Segundo moradores, no dia da ação, que contou com agentes da gestão municipal, houve truculência e nenhum respaldo jurídico.
Com deficiência visual, Onair Gomes Florêncio, 50, afirma que não conseguiu entrar na casa para retirar pertences. Um deles era um olho de vidro, agora perdido em meio aos escombros.
“Se não tem lugar pra colocar a gente, para que fazer isso? Chegaram e não esperaram tirar nada, me barraram e não consegui recolher meus documentos que estavam lá. Quando tentava entrar, eles me empurravam para trás, derrubaram tudo: televisão, geladeira, colchão e minha prótese lá dentro. Essas roupas que estou usando foram dadas por meu cunhado”, relatou Onair.
Ele diz que foi à prefeitura para obter informações munido de uma conta de água quitada como prova de residir no local, mas apenas recebeu a resposta de que o documento “não justificava nada”.
INVESTIMENTO PERDIDO
O auxiliar geral José Alisson Mendes Barbosa, 27, mora há um ano na ocupação junto com a esposa e uma sobrinha. Ele investiu R$ 5 mil para construir a casa de dois cômodos que ainda não havia sido finalizada e relata com pesar como salvou o pouco que têm.
“A gente se precaveu e nos deslocamos antes, porque começaram a derrubar as casas de cima, tudo isso sem nenhuma notificação. Moro agora com familiares por aqui, mas sem nenhuma garantia, pois eles também não têm cadastro na prefeitura”, conta.
A dona de casa Waslane Micheli de Santana Ferreira, 25, passou a se abrigar na casa de amigos. “Foi aterrorizante. A Guarda Civil Municipal veio derrubando e algumas pessoas se recusavam a sair de suas casas, nessas eles simplesmente entravam e jogavam quem estava lá dentro para fora aos gritos. Nesse dia, teve tiro de borracha, bomba de gás, pessoas se feriram. Minha casa foi ao chão nesse dia”, disse a moradora com olhos marejados.
Um dos casos é o de José Maria Rodrigues, 38. Há três anos no bairro, um amigo cedeu um terreno para construir, pois não tinha mais como pagar aluguel. Ele e a esposa estão desempregados, tem três filhas e a primeira de 11 anos sofreu AVC isquêmico em julho deste ano. Ela toma remédio controlado para a doença não voltar.
“No dia da desapropriação, o pessoal fez cordão humano para evitar que derrubassem minha casa, protegi minha filha, porque ela não pode ter emoções fortes, a cirurgia é recente e com essa confusão perdi a consulta dela. Falta respeito”, diz.
Presidente da sociedade amigos da Vila Moraes, o autônomo Tarcísio Leonardo, 44, diz que foi feito um cadastro de moradores em 2003 e em 2009, sendo que o último não consta seu registro.
“Como pode uma liderança do bairro não ter o nome cadastrado. Teve um grupo de pessoas isoladas que cometeram crime ambiental e que foram retiradas pela prefeitura. Mas agora, nós que temos casa de alvenaria e relógio de água, [também] querem remover. Aqui não houve liminar para derrubar as casas, isso é correto?”, questiona. Ele vive há 13 anos no bairro.
SABESP E PREFEITURA
Procurada pela reportagem, a Sabesp afirmou em nota que executou a retirada dos hidrômetros pois, com a demolição dos imóveis, não havia sentido em mantê-los.
Já a prefeitura de São Bernardo do Campo informou que cumpre determinação do Ministério Público, que determinou a desocupação de Área de Proteção Ambiental invadida, denominada “Favela do Robertão”, no Grande Alvarenga.
Segundo a gestão, as famílias que habitavam o lugar, irregularmente, foram devidamente avisadas e notificadas sobre o procedimento, inclusive sobre o dia do cumprimento da ordem judicial.
Alega que no mesmo local também residem famílias previamente cadastradas, que não fazem parte do cumprimento judicial e não serão retiradas de suas casas.
Ronaldo Lages é correspondente de Vila Brasilândia
ronaldolages.mural@gmail.com
Katia Flora é correspondente de São Bernardo do Campo
katiaflora.mural@gmail.com
Uma atrocidade, o que será dessas famílias?