Em funk, ator do Grajaú fala sobre negritude e autoestima
“Tem preta com chocolate, tem preto que é cor de mel. Negritude é tão diversa. Nosso limite é o céu. ‘Cês’ já foram na quebrada? Lá não tem só desamor. Muita gente se assumindo com orgulho da sua cor”, diz a letra de funk escrita pelo artista Rafael Cristiano do Nascimento, 25, morador do Cantinho do Céu, bairro do distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. A música “Pretaiada se amando” rendeu um clipe gravado às margens da represa Billings, nas proximidades da casa de Rafael, que reuniu a vizinhança para falar sobre se reconhecer como negro e negra.
Rafael nasceu no Hospital Municipal do Campo Limpo, localizado no distrito de mesmo nome, quando os pais viviam no Capão Redondo, também na zona sul. Mudou-se para o Grajaú com apenas um ano de idade. Foi nesta região que, há quatro anos, deu os primeiros passos no teatro por meio do programa Vocacional do CEU Navegantes (Centro Educacional Unificado).
Junto com amigos montou o Núcleo Pele, grupo de teatro de rua, que também o aproximou da música. “Teatro de rua envolve muita música”, conta. Para uma das intervenções, o grupo criou o “Funk do busão”, retratando os empecilhos enfrentados pela população do Grajaú no uso diário do transporte coletivo. “Vimos que funcionou tanto, que o público se interessava, que pensamos: Por que a gente não pesquisa sobre funk?”.
O trabalho de pesquisa é algo recorrente no Núcleo Pele. Negritude, por exemplo, já era um tema estudado constantemente pelos participantes. “A gente foi se descobrindo negro juntos. Eu dizia que era moreno e até me reconhecer foi um passo grande”, relata Rafael.
Entre os estudos, Rafael compôs as primeiras canções de funk para o grupo de teatro. “Sempre gostei de funk. Ele é muito polêmico e tem alcance”. Segundo o artista, que também trabalha como designer gráfico, o funk deixou de ser apenas periférico e ainda está predominantemente nas “mãos dos homens”, apesar do destaque de algumas MCs mulheres. Uma de suas cantoras prediletas é a MC Carol, de Niterói. Eclético, Rafael ainda costuma escutar Gilberto Gil, Racionais MC’s, Criolo e Rihanna. “Só não sou muito fã de sertanejo. Já Calypso, que é do brega, gosto até hoje”, diz saudoso, por causa do fim da banda.
Rafael argumenta que o funk é uma manifestação do povo negro, portanto, é natural uma composição que fala sobre negritude. “O funk sempre carregou histórias e é o nosso legado. Mas o que a gente faz com a potência dele hoje?”, reflete. Assim, entre estudos e reflexões, “Pretaiada se amando” foi composta. “A gente colocou nossas discussões e, apesar de eu ter escrito a música, ela é coletiva”.
O clipe, lançado no fim do ano passado, foi ideia de Deni Chagas, amigo e integrante do Núcleo Pele, que precisava fazer um trabalho para o curso técnico em Produção de Áudio e Vídeo da ETEC Jornalista Roberto Marinho. Neste período de produção foi preciso pensar em um nome artístico. Surgiu Mc Sereião.
A origem do nome veio de um debate sobre gênero. Rafael dava aulas de teatro em um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) perto de casa e algumas crianças entraram em conflito porque os meninos não queriam deixar as meninas jogarem futebol. Quando teve a oportunidade de falar com a turma, os meninos perguntaram: “Professor, você é heterossexual ou homossexual?”. Rafael respondeu: “Sou uma sereia”. Depois disso, alunos e alunas começaram a chamá-lo de Sereiel. O lugar escolhido para a gravação foi o Parque Linear Cantinho do Céu, às margens da represa Billings. “É do lado de casa. É um lugar lindo e é a nossa morada poética. Essa represa é a nossa história”.
Mc Sereião acredita que gravar o clipe no próprio território foi importante, porque “aqui tem um movimento crescente de negritude”. Rafael tem outras letras de funk compostas e gosta de sair para dançar, caminhar no Parque Linear e namora uma moça de Itaquera, zona leste, mas não deseja seguir carreira musical. “Não tenho pretensão de ser cantor, mas ator mesmo”.
Priscila Pacheco, correspondente do Grajaú
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