‘O hip-hop mudou minha vida, minha escola foi essa cultura’, diz o grafiteiro Bonga Mac

Jéssica Moreira

Já passava das 9h da noite de um sábado de chuva em Perus, na região noroeste de São Paulo, quando a Agência Mural se encontrou com um dos maiores nomes do grafite da cidade. Bonga Mac é a tag (assinatura) de Donizete de Souza Lima, 43.

“O hip-hop mudou minha vida, minha escola foi essa cultura, me abriu um caminho para ver as coisas de outra forma”, conta.

Para além de ter nascido, crescido e ainda viver a periferia e seus dilemas, Bonga, que também é arte-educador, já viajou o mundo levando seus traços para alguns dos principais festivais de arte urbana, como o Festival Essência, no Canadá.

França, Bélgica, Itália, Equador e Peru são alguns dos países onde também é possível  encontrar obras do grafiteiro brasileiro. O artista também já teve seus grafites estampados ao vivo em programas de TV e novelas.

Painel chamado Humanidade – uma das obras do grafiteiro em parceria com kajaman (Divulgação)

Único filho de pais migrantes do Ceará, Bonga nasceu na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo, bairro eternizado na voz de Gilberto Gil com a música “Eu sou um punk da periferia”. Ainda na infância, a família se mudou para Caieiras, na Grande São Paulo.

Na adolescência, o trabalho como office boy lhe permitiu conhecer a cidade, se aproximar do movimento Hip Hop do centro e se inspirar nas pixações de prédios que via em seu caminho.

Em Perus, na década de 80, Bonga se aliou a outros jovens que enxergavam  no hip-hop uma forma de criar sua própria identidade. Ele conta que viveu um momento de efervescência do Rap, com oficinas de rima, de desenho e de dança em unidades escolares.

A caminhada na arte ganhou ainda mais fôlego quando, em uma viagem por Salvador, em 2008, Bonga recebeu o sobrenome MAC, que representa uma das crews (coletivo de grafiteiros) mais antigas da cidade de Paris (França) e integra também a Crew  X-Men (NY, EUA).

“Olhei para um poster dos caras e pensei ‘um dia ainda vou entrar para essa crew’. Cheguei em Salvador, mesmo sem falar Inglês, Kongo [representante do grupo em Paris] virou e disse que eu seria o MAC em São Paulo. Agora, eu sou um MAC”.

De lá pra cá, Bonga continuou sua ‘correria’ por meio do grafite, conquistando espaço no cenário internacional, mas sem nunca deixar a periferia.

“É importante entender que esta é uma cultura séria, sendo uma mistura de denúncia e diversão. É intervenção, afronte mesmo, mas também colabora com a conscientização da sociedade. Foi isso que a cultura hip-hop fez comigo”, destaca.

Em dezembro de 2017, Bonga e a jornalista Tamires Santana, 28, também sua sócia e companheira, somaram esforços e lançaram o livro bilíngue (português e inglês) “Tinta Loka – Street Book”, da Editora Literarua.

Bonga Mac e Tamires Santana durante o lançamento do livro Tinta Loka (Divulgação Literarua)

“Uma característica do livro é que ele é efêmero (em relação às dinâmica da arte de rua, que muda constantemente). É importante entender que um livro dessa cultura [hip-hop] é um documento de registro e meio de contar nossa história”, explica Bonga.

Com o título todo escrito em dourado sobre uma capa preta, lembrando os antigos cadernos de desenhistas, a obra de 208 páginas, e ilustrada pelo artista Fhero, traz um mapeamento de 55 outros grafiteiros de toda a cidade de São Paulo, predominantemente das periferias e interior, e 15 iniciativas coletivas que mobilizam centenas de artistas em torno da arte urbana.

No Dia Internacional do Grafite, Bonga deixa um recado: “esse papel social do hip-hop é uma cultura de transformação, de você  ver gente da terceira idade que está apaixonado pela coisa, e chorar porque pintou. É você ver uma diretora de escola conservadora, [que era] resistente a uma oficina, mudar de opinião”, finaliza.

Jéssica Moreira é correspondente de Perus
jessicamoreira.mural@gmail.com