Minidocumentário conta história do Jardim Damasceno

Karina Oliveira

Entre os mares de morros da Brasilândia, há 46 anos nasceu o Jardim Damasceno, bairro de 30 mil habitantes na zona norte de São Paulo, e que faz aniversário neste mês. Para contar a trajetória dessa região que coleciona sonhos, histórias de luta, reivindicações e resistência de moradores, neste mês, a região ganhou um minidocumentário.

A ideia de registrar a história surgiu pelo interesse de um grupo em fazer o trabalho final do curso de Formação de Agentes Socioambientais Urbanos, da UMAPaz, sobre as lutas e conquistas dos moradores. Com o nome “Resgate de Memórias do Jardim Damasceno”, o vídeo de 33 minutos foi exibido no início do mês no Espaço Cultural Jardim Damasceno – mais conhecido como Barracão -, em um telão improvisado com lençol.

Para o retificador mecânico Erick Batista, 35, que vive no bairro desde que nasceu, pensar no Jardim Damasceno é lembrar da história de vida de cada um, das frustrações e realizações das pessoas que fizeram desse local a sua morada e lutaram pelo direito de fazer dali um local digno de se viver.

“Espero que esse documentário sirva para que os mais jovens conheçam um pouco sobre a construção do bairro e que pessoas de outras comunidades possam ver, refletir e por meio desses relatos extrair as coisas boas, as superações e de que é sempre possível melhorar independentemente das condições da região que se vive”, pontua.

O vídeo apresenta uma estrutura linear que leva o telespectador do início da ocupação do Damasceno, relatada por 14 moradores antigos e da nova geração.

Noêmia de Oliveira Mendonça, educadora e uma das vozes mais ativas da região, desde a década de 1970 (Tati Zaratin)

“Optamos em abordar o depoimento dos mais velhos primeiro, contando o início do Damasceno, as principais lutas, a ocupação no Córrego do Canivete e na sua conversão em parque linear, as necessidades atuais e passando uma mensagem para juventude e população do bairro”, explica Ellen Emerich, 25, estudante de engenharia ambiental e uma das integrantes do trabalho.

Ela ainda acrescenta que tais registros podem manter as memórias do bairro vivas. “O vídeo-documentário tem como objetivo realçar as conquistas do Damasceno, mas também incentivar que elas continuem acontecendo para evocar o sentimento de orgulho pela própria história”, conta.

VIDAS DAMASCENAS

Tais sentimentos, como o de Noêmia de Oliveira Mendonça, 59, aposentada, que atua como educadora popular na região e faz parte do coletivo espaço cultural, continuam bem vivos. A cearense chegou ao Jardim Damasceno em meados da década de 1970, quando não havia água encanada, luz e pavimentação.

Dentre as lutas para a melhoria do bairro, Noêmia guarda com carinho as revindicações pela saúde na região, com participação assídua das mulheres do bairro. Depois de correrem atrás da implantação de três hospitais e até ajudarem a escolher os terrenos, eles ficaram parados, sem uso. Para chamar a atenção do poder público, Noêmia e as moradoras decidiram usar a criatividade para serem ouvidas.

“Planejamos fechar a Avenida Inajar de Souza, muitas mulheres se reuniram, improvisamos barrigas falsas para simbolizar grávidas e arrumamos umas macas para elas ficarem em cima. Nós fizemos uma dramatização daquilo que estávamos vivenciando no momento. Passou até na televisão”, relembra.

O casal de aposentados Francisco Fernandes, 70, e Maria de Souza, 73, chegaram na região em 1976 e relembram que o começo no bairro não foi fácil. “Aqui era só barro. Antes, a gente lavava a roupa lá no bairro Jardim Guarani, puxando a água de um poço de 20 metros de profundidade. Era muito sofrimento”, conta Maria.

O morador Erick afirma que dentre as lembranças mais marcantes, estão as piscinas da “mata” Serra da Cantareira, que servia de refresco para os dias mais quentes. “Íamos correr, nadar, pegar morangos silvestres, ver e ouvir os macacos gritadores (Bugios) e os tantos animais que lá moravam”, relembra.

O Jardim Damasceno completa 46 anos, em 2018, e reúne histórias de persistência, luta e vitórias (Tati Zaratin)

Segundo Ellen, a ausência de recursos de filmagem e de conhecimentos básicos em edição não foi um empecilho para a produção do documentário.

“Tínhamos só uma handycam sem microfones de apoio ou qualquer coisa do tipo e um conhecimento básico de edição de vídeo. O que resultou em uma qualidade gráfica não tão boa, algumas falhas no som, mas que acreditamos que ainda assim não tiraram a qualidade de conteúdo e de transmissão das informações”, explica.

Em abril, o minidocumentário será apresentado em mais uma sessão no Espaço Cultural Jardim Damasceno e estará disponível no Youtube para uso público.

Karina Oliveira é correspondente da Vila Ayrosa
karinaoliveira@agenciamural.com.br