Cozinheira une gastronomia e cultura popular brasileira na zona sul

Priscila Pacheco

“Cozinhar é preciso. Preciso de necessário e preciso de precioso”, diz Alice Oliveira Lopes, 23, moradora de Santa Terezinha, bairro do distrito de Pedreira, zona sul de São Paulo. Auxiliar de cozinha em uma creche municipal e formada em um curso tecnólogo de gastronomia, ela acredita que dentro do cotidiano das cidades, “das corridas que a gente faz todos os dias”, as pessoas param poucas vezes para cozinhar e para sentar na mesa com a família e amigos.

“Quando a gente cozinha, quando a gente entra em contato com o outro através da comunhão da comida, a gente experimenta outras formas de se conectar”, diz.

A relação da garota com a alimentação começou cedo. “A minha mãe sempre fez coisa pra fora e eu ajudava ela aos fins de semana”, conta. Entre 15 e 16 anos de idade, fez um curso de confeitaria.

Aos 17 anos, começou a trabalhar como garçonete em um restaurante. Seguiu como balconista de padaria. Por fim, foi para uma empresa de produtos para bolos. Era assistente técnica e fazia doces. Lá a chefe questionou: “Por que você não faz um curso de gastronomia?”

Assim, Alice começou a estudar em um curso pré-vestibular gratuito aos sábados para entrar na faculdade. Por fim, conseguiu bolsa de estudos em uma faculdade de gastronomia localizada no centro de São Paulo.

Arthur Lopes de Freitas, 5, ajuda nas atividades mais simples (Priscila Pacheco/Agência Mural/Folhapress)

“O primeiro semestre foi muito teórico. Tive aula de cidadania no primeiro dia do curso. Tive história da alimentação, que falava da gastronomia do mundo,” conta. Foi nesse período que Alice passou a sonhar em desenvolver algum trabalho que unisse a alimentação e o estudo da cultura brasileira.

“No final do curso tive cozinha brasileira. Aí o professor fazia uns mapas na lousa antes da gente começar a cozinhar. Ele explicava de onde tinha vindo a comida, porque tinha aquele ingrediente. Comecei a ficar louca por isso e troquei ideia com ele.” Da conversa veio a sugestão para ler o livro “Formação da culinária brasileira”, no qual um dos temas discutido pelo autor e sociólogo Carlos Alberto Doria é a influência dos processos sociais na formação dos hábitos alimentares e pratos nacionais.

A partir da leitura, Alice e o primo Willian Lima, que mora em Diadema, cidade da Grande São Paulo, realizaram em 2015 um sarau chamado Brasil Temperado. Montaram uma linha do tempo com alguns momentos históricos, fizeram encenações, declamaram poemas épicos e no final reuniram o público em volta da mesa para provar alguns dos pratos citados durante o evento.

O sarau foi o ponto de partida para Alice criar o projeto Comer Cultura e tentar um edital de financiamento. A primeira edição aconteceu em 2016, já a segunda terminou no fim de março.

A estrutura do projeto foi construída junto com amigos e familiares, além de envolver a participação da comunidade local. “O Comer Cultura é a experiência de convidar todo mundo para partilhar um preparo de cozinhas da cultura popular, de outros estados”, explica. Durante os encontros todos cozinham em conjunto mesmo que não se conheçam e, no fim, comem o que foi preparado.

Além de falar sobre a culinária do dia, todos provam o que prepararam (Priscila Pacheco/Agência Mural/Folhapress)

Os encontros são mensais. Na edição atual, já falaram sobre agricultura, com ênfase no reaproveitamento de alimentos, culinária caiçara, que é do litoral, amazônica, baiana e de boiadeiros, com destaque para os estados do Mato Grosso e Goiás.

“A gente evita fazer pratos que são muito famosos. No da Bahia não teve acarajé, mas fizemos cozido, moqueca, mugunzá sem leite e cocada com rapadura.” Ela explica que fazem a curadoria dos pratos, pois a gastronomia de cada região brasileira é bastante extensa.

Durante as oficinas do Comer Cultura, costumam participar de 20 a 30 pessoas. Geraldo Gouveia, 70, motorista de ônibus aposentado não perde um encontro. Morador de Pedreira desde 1975, ano no qual chegou a São Paulo após deixar Londrina (PR), soube do projeto por causa da esposa. “Aqui é uma reunião. A gente se reúne e faz. Conhece novos pratos, porque em casa é arroz, feijão e carne, o básico”, diz, após cortar alho e o peixe no encontro sobre a culinária de boiadeiros.

A adolescente Gislaine de Jesus Farias, 13, que vive no Jardim Apurá, tenta fazer as receitas em casa. “Me interessei para provar pratos diferentes e por causa das pessoas. Acho legal cozinhar todo mundo junto”, relata após fazer um doce no qual usou açúcar, manteiga, mandioca e coco.

A pernambucana Maria Aparecida Aguiar, 61, é tia de Alice e, além de ser uma das responsáveis pela produção de aventais e sacolas do projeto, sempre leva o neto de 5 anos de idade para participar. “Ele ajuda também, mas quando vê outra criança sai correndo”, diz entre risos. Maria, que é dona de casa, gostaria que mais pessoas participassem das oficinas para provar pratos diversos. “Uma vez veio um menino de 16 anos que nunca tinha comido paçoca”, recorda.

Priscila Pacheco é correspondente do Grajaú
priscilapacheco.mural@gmail.com