Três em cada quatro empregadas domésticas de SP têm mais de 40 anos
Laiza Lopes
Entro no ônibus lotado da linha 284 (São Mateus – Santo André), típico daquele horário das 7h. Paro um pouco antes da primeira porta de saída, pois não consigo prosseguir. Minha bolsa, desajeitada, encosta em uma mulher que está sentada. Com um sorriso, ela oferece para segurá-la. Fico sem jeito, mas aceito.
Logo emendamos um papo sobre a vida caótica de quem mora longe do trabalho. Ela conta que é empregada doméstica, mas estava aflita, pois o patrão insistia para que aceitasse mais uma oferta de emprego, desta vez para cuidar da casa da filha dele.
A filha se mudaria para Sumaré, na zona oeste da capital, cerca de 38 km do bairro Jardim Santo André na zona leste, onde a empregada doméstica mora. Ela já trabalhava para ele em uma casa em Santo André, na Grande São Paulo, e no bairro Paraíso.
Ela conta que perdeu o sono pensando em como recusar a proposta do patrão. “Não sei dizer não, moça. Na casa dele, era apenas para eu limpar, mas lavo, passo e cozinho. Faço hora extra e nunca recebo por isso, além de trabalhar no feriado”, desabafa, completando que foi ao Sindicato dos Empregados Domésticos para entender seus direitos.
Ela chegou ao empregador munida de argumentos, mas nada mudou.
Ouço atentamente a história e só consigo aconselhá-la a dar um basta nessa situação e que ela conseguiria. A mulher negra dos cabelos escuros segue o caminho dela, e, eu, torcendo por dentro, sigo o meu. Nunca mais a encontrei, tão pouco sei o nome dela.
Nesta sexta-feira (27), é comemorado o Dia Nacional das Empregadas Domésticas, em meio a um cenário em que abusos continuam, mas que reforça a luta pela conquista de direitos trabalhistas.
Atualmente, elas possuem todos os direitos de um trabalhador de uma empresa – com exceção ao PIS (Programa de Integração Social), mas os dados demonstram a forte presença da informalidade.
Em São Paulo, a porcentagem de empregadas domésticas mensalistas com carteira assinada sofreu uma redução de 43% em 2016, para 41,5% no último ano. Já as diaristas tiveram uma crescente de 39,4% para 41,5%, segundo dados da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), da Fundação Seade e do Dieese.
O mesmo estudo mapeou o perfil dessas trabalhadoras domésticas. Elas são majoritariamente negras (55,4% do total) e com maior responsabilidade no sustento da família (49,5% são cônjuges e 39,2% chefes no domicílio em que residem).
Maria Eliane da Silva, 46, é uma diarista responsável pelo sustento da família. Ainda adolescente, aos 14 anos, deixou Pernambuco para ser empregada doméstica em Santana, bairro da zona norte de São Paulo. A patroa, como ela mesmo diz, estava esperando na rodoviária.
“Na época não tinha registro em carteira. Fazia comida, limpava e lavava. Ganhava R$ 120 por mês. Mas era melhor do que minha vida em Pernambuco. Lá eu trabalhava na roça, não conseguia estudar”, conta.
Mãe solteira de quatro filhas, a moradora de Francisco Morato, na região norte da Grande São Paulo, relata que enfrentou dificuldades em São Paulo. “Criei minhas filhas trazendo comida que as patroas davam. Hoje posso dizer que estou no paraíso. Jamais imaginaria ter uma casa própria como empregada doméstica”, afirma.
Atualmente, como diarista, trabalhando cinco dias na semana, ela consegue ganhar cerca de R$ 2 mil mensalmente. Salário maior do que a remuneração média de uma empregada doméstica mensalista, que é de cerca de R$ 1.289, de acordo com os dados por hora (R$ 8,09) da PED.
O crescimento da quantidade de empregadas com 40 anos ou mais é outra realidade da categoria. O número saltou de 30% para 73% em 25 anos. Na fase em que muitas deveriam reduzir a carga de trabalho e desfrutar de uma possível aposentadoria, o oposto acontece.
Cleonice Alves, 58, faz parte desse número de empregadas domésticas acima dos 40 anos. Nice, como é conhecida, começou a trabalhar em uma casa aos 18 anos e permaneceu no mesmo local por 37. Em contrapartida ao cenário de opressões que muitas vezes ouvimos das profissionais, ela acumula uma história de amizade com a empregadora, falecida em 2015.
Nice saia da sua casa, em Mauá, às 6h da manhã para chegar no local de trabalho por volta das 8h. No caminho, enfrentava ônibus, trem e 15 minutos de caminhada até a Mooca. “Como eu era uma companhia para ela, ia até gripada. Apesar da distância nunca me vi deixando o trabalho”, afirma.
A mauaense embarga a voz quando fala da chefe. “Ela era um anjo na minha vida. Senti muito quando ela faleceu. Duas pessoas do mesmo prédio me ofereceram trabalho com bom salário, mas não conseguiria entrar lá. Tudo lembrava ela”, conta.
Hoje, Nice trabalha como diarista e não é mais registrada. “Como tenho 18 anos de carteira, devo aposentar por idade, daqui a dois anos. Penso em parar quando tiver um neto, quero cuidar dele”, disse a empregada doméstica.
Diarista é uma das ocupações de Hana Cardoso, 30. Moradora de Campo Limpo, na zona sul da capital, ela também é vendedora. Hana relata que já perdeu oportunidades de trabalho por conta da aparência jovem. “Hoje só consigo por indicação. Eles prezam a confiança”, afirma.
Dependendo do tamanho da casa, Hana cobra cerca de R$180 a diária. “Trabalho mais com qualidade do que rapidez. Sou detalhista e gosto de organizar. Quero fazer um curso para ensinar as pessoas a organizar o espaço. Está bastante em alta e acredito que terei mais oportunidades”, conclui. No mercado, o curso de Personal Organizer já existe.
DIREITOS E DEVERES
A informalidade na profissão, que abre brechas para casos de abuso, tem sido combatida por algumas instituições. É o caso do Instituto Doméstica Legal, que lança nesta sexta-feira (27) a Campanha de Abaixo Assinado “Mais formalidade no Emprego Doméstico”, que tem por objetivo solicitar ao Congresso Nacional a votação e aprovação em Regime de Urgência do PL (Projeto de Lei) 8681/2017.
A proposta recria o Redom (Programa de Regularização Previdenciária do Empregador Doméstico), que é um Refis para o empregador doméstico, regularizar o INSS dos trabalhadores e trabalhadoras domésticos, como o parcelamento em até 120 meses, isenção total da multa por atraso e redução de 60% dos juros de mora por atraso.
“A ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional sobre Trabalho Doméstico (convenção 189 da OIT) ocorreu em fevereiro deste ano e foi considerada um avanço na proteção dos direitos desses trabalhadores”, comenta Mario Alberto Avelino, 62 anos, presidente do Instituto e do Portal Doméstica Legal.
“O compromisso vem no lastro da adoção da emenda constitucional 72 de abril de 2013, conhecida como a “PEC das Domésticas”, e da lei complementar 150 de 2015, iniciativas para coibir a exploração, dar mais amparo e formalização ao emprego”, ressalta.
Ele defende que é fundamental que o empregador saiba os deveres e o empregado conheça seus direitos para relações trabalhistas mais dignas e de menos abusos.
O Portal Doméstica Legal bem como o Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo são alguns dos caminhos que abordam o fortalecimento da categoria, que tem motivos para celebrar, mas não deve parar de lutar por condições melhores de trabalho.
Laiza Lopes é correspondente de Mauá
laizalopes.mural@gmail.com