Mestre de capoeira corta cabelos, vende frutas e ajuda alunos sem dinheiro
Aline Kátia Melo
“Quando você está jogando capoeira, deixa acontecer, sem medo. Você está na sua academia, se não tomar rasteira aqui vai tomar onde? Lá fora é pior”, explicava Jefferson Camilo, 33, numa aula noturna na Jova Rural, na zona norte de São Paulo.
Conheço o Jefferson há muitos anos. Lembro dele menino, trabalhando na feira livre com sua mãe, Fátima. Nos reencontramos alguns anos depois, em 2003. Ele era educador voluntário e dava aulas de capoeira aos sábados e domingos, na escola estadual Gustavo Barroso. E tinha corda azul, a de instrutor.
Em fevereiro, ele se graduou como contra-mestre de capoeira, após 28 anos praticando o esporte.
Meses atrás o reencontrei num batizado na Fábrica de Cultura do Jaçanã. Nesse dia, minha irmã Ariane Melo, 30, recebeu a primeira corda de todas, a verde, treinando com Jefferson.
Eu, que o conheci como estudante de secretariado e o revi agora como jornalista formada, pensei em fazer seu perfil. Assisti algumas aulas e procurei Jefferson ao longo de dois meses pedindo uma entrevista mas, ocupado, ele não conseguiu encontrar espaço em sua agenda.
O capoeirista é casado e pai de dois filhos. As aulas em academia e em espaços públicos não têm sido suficientes para sustentar a família. Assim, ele também trabalha como educador num projeto de horta, corta cabelos em um salão, ajuda a mãe na feira e faz extras como pintor, jardineiro e ajudante geral.
Consegui falar com alguns de seus alunos de quinze anos atrás. Alguns seguiram outras profissões, mas continuam com o esporte, como o auditor Rutemberg Araújo, 30 anos.
“O Jefferson transmite o amor que tem pela capoeira, tem empatia, se envolve na vida do aluno. Algumas vezes, ele arrecadou cestas básicas para pessoas que precisavam”, comenta Araújo.
Um dos que receberam ajuda foi o farmacêutico José Rogério Santos, 26,. “Comecei a treinar na 5° série. Quando eu ia pegar meu 2° cordão, não tinha dinheiro e ele que me deu”, lembra.
“Ele conseguia motivar e a gente tinha evolução. Vi ele ajudar, cobrar, não só na capoeira, fora também. Ele fala, vai atrás, se preocupa com os alunos”, comenta Rogenyson Michel, 27, hoje professor de educação física, que começou a treinar aos 12 anos.
Jéssica Silva, 27, estudante, lembra de um momento difícil. “Anos atrás, uma chuva fez o córrego transbordar e alagar a casa do Jefferson. Ele perdeu tudo. Foi um baque para todos nós, mas isso nunca tirou o sorriso do rosto dele. Ele ia dar aula mesmo assim”, relembra.
De volta à aula noturna, Jefferson segue sua preleção. “Quando pedimos para repetir o movimento é porque tem algo errado. Se pegar o pandeiro e bater de qualquer jeito, o som não vai ter clareza. A mesma coisa é o treino: se não executar claramente, a linguagem capoeirística não acontece”.
“Eu sou professor e zelador da capoeira, vocês agora também são. Se não zelarem por ela quem vai? Se não, ela vai embora, perde a tradição”, continua. “Somos um só, se a gente não andar de mãos dadas, na mesma direção, não vai funcionar a parada. Quando a maioria da classe correr na frente e vocês ficarem para trás já era. Temos que correr igual”, explica.
Essa é a lembrança que carrego dele, desde instrutor, hoje contramestre, caminhando ao lado de seus alunos, defendendo a capoeira, para levá-la para as próximas gerações.
Aline Kátia Melo é correspondente da Jova Rural
alinekatia.mural@gmail.com