Professor dá aulas gratuitas de jiu-jitsu em rua no Tremembé
Priscila Gomes
Faz três meses que Manuella acorda antes das 6h todos os domingos e chama a mãe para perguntar se está atrasada para as aulas de jiu-jitsu. A mãe responde que ainda está cedo. A preocupação da menina de 5 anos é por causa de uma palavra que escuta do professor de jiu-jitsu e que se tornou um mantra diário: disciplina.
Mas essa não é só a rotina de Manuella e sim de grande parte das crianças e adolescentes da comunidade jardim Sorriso, na Vila Zilda, zona norte da Capital.
Todos os domingos, antes das 9h, as crianças vestem o quimono e varrem a rua onde moram. Em seguida, entram em uma casa, pegam os tatames e colocam no asfalto. Enquanto isso mães, pais e avós levam mesas, cadeiras, água, lanche. Os carros saem das garagens e fecham a rua para impedir a entrada e saída de veículos, tudo para a segurança das aulas do professor Paulo Ramos, 36, conhecido como Monstrão.
Criado há três meses, o Projeto Fábrica de Monstro tem como objetivo levar gratuitamente a modalidade para crianças a adolescentes. Adultos que não têm condições de pagar uma mensalidade de academia também podem participar. O professor tem feito rifas com a ajuda de vizinhos e tem vendido camisetas para custear a atividade.
“Dou aulas há dois anos e já participava de projetos para esse público. Mas sempre quis ter um projeto para a comunidade onde nasci e fui criado. Quero levar para as crianças não só a luta, mas a disciplina, o respeito, envolvê-las com atividades saudáveis”, conta.
“Meu filho está desde o inicio do projeto. O comportamento dele melhorou demais tanto na escola como em casa. Ele está super empolgado, pois nunca tinha feito alguma atividade antes”, diz a promotora de vendas Barbara Lopes da Silva, 35, mãe de Aquilles Augusto, 9.
NECESSIDADE
Monstrão se interessou pela arte marcial após ter estudado três anos Ciência da Computação. Ele é professor da modalidade há quatro anos e atua em duas academias, onde sentiu a necessidade de criar o projeto.
“Várias crianças ficavam do lado de fora [da academia] olhando e querendo participar, mas não tinham dinheiro para pagar”, ressalta. “Isso me incomodava demais. Comentei com uma vizinha, amiga de todos do bairro, sobre meu plano e ela conseguiu doação de tatames e isso já ajudou muito”.
Além dos tatames, a líder comunitária Marilene Pereira, 59, ofereceu a casa para as aulas, mas não havia espaço para o número de alunos. “Quando o Paulinho, que nasceu aqui e que conheço desde menino, me falou sobre o sonho que tinha com as crianças e adolescentes, eu topei na hora ajudar”.
Ainda faltam uniformes para todos e, em dias ensolarados, Paulo estica uma lona para que as crianças continuem com as aulas mesmo debaixo de altas temperaturas.
FAMÍLIAS
“Depois que ele começou a fazer luta, vejo melhora na vida dele em vários aspectos. Ele começou a se expressa melhor, pois é muito tímido, a disciplina dele avançou tanto em casa como na escola”, comenta Osmar Pamponet, 41, autônomo e padrasto de Gustavo da Silva. 9.
“Treino há sete meses com o Paulo e vim para o projeto para fortalecer, pois moro aqui perto. Sei que nem todo mundo pode pagar uma mensalidade de academia e aqui as crianças têm contato, podem conhecer mais”, comenta Fábio Gabriel Pereira, 15.
“Aqui onde a gente mora tem pouco espaço e as crianças precisam de alguma atividade. Ela tem somente na escola. E por ser aqui na rua, a criançada acorda empolgada todo domingo”, diz Marleide Souza da Silva, 35, auxiliar financeiro e mãe da Manuella Souza Rocha de 5 anos.
O professor comenta que pretende dar aulas durante a semana, mas ainda busca apoio para conseguir ampliar a ação. “Se a gente tivesse um espaço adequado, apoio financeiro, com certeza poderia atender muito mais jovens, que é nosso objetivo”, finaliza Monstrão.
Priscila Gomes é correspondente da Vila Zilda
priscilagomes.mural@gmail.com