Mais de 20 cidades da Grande São Paulo dificultam acesso à informação pública

Agência Mural

Falar com o poder público de Biritiba-Mirim, município da região leste da Grande São Paulo, é uma tarefa complicada. O telefone da assessoria de imprensa cai em uma residência. O da secretaria Municipal de Educação é atendido em um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Outro número apenas tocava e os e-mails retornavam com mensagens de erro.

Nem pela Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) – a LAI – que dá direito a qualquer cidadão a obter informações públicas, é possível fazer algo. Um dos campos obrigatórios do formulário virtual apresenta erro. O pior é que o problema de Biritiba não é uma situação isolada. Ela é a regra para mais de 20 cidades na região metropolitana de São Paulo.

Nos últimos dias de janeiro, a Agência Mural começou a apurar o piso salarial pago a professores de escolas municipais dos 39 municípios da Grande São Paulo. O plano era contatar as prefeituras e secretarias de educação e, em último caso, usar a Lei de Acesso à Informação para confirmar os valores de 2016 e 2017, além de saber qual era a proposta para 2018.

Parecia uma tarefa árdua, mas que poderia ser concluída em um mês. Engano. Contatos sem respostas, retornos tardios, portais de transparência imprecisos e pedidos da LAI rejeitados.

Três municípios: Itaquaquecetuba, Pirapora do Bom Jesus e Cotia ignoraram os pedidos. Em outras nove nem foi possível registrar o questionamento virtualmente. Rio Grande da Serra respondeu meses depois que havia encaminhado a solicitação para o setor de comunicação. Todavia, os dados não foram compartilhados até o momento.

O cenário aponta as falhas na implantação da Lei de Acesso à Informação, que completa seis anos de sua implementação nesta quarta-feira (16).

Embu das Artes, por exemplo, informou por telefone que a pergunta sobre os pisos deveria ser feita por e-mail. Porém, a mensagem por correio eletrônico foi ignorada.  No portal da Transparência da prefeitura não foi localizado o e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão) para fazer o pedido pela LAI. O artigo 10 da lei informa que é obrigatório o órgão público oferecer um meio virtual para o cidadão fazer os pedidos de acesso à informação. Mais contatos telefônicos foram realizados, mas sem resultado.

Outro município, Embu-Guaçu, enviou no início de fevereiro um link para localizar os pisos salariais. Os dados não foram encontrados, mas a prefeitura orientou que a comunicação deveria ser feita direto com a secretaria municipal de Educação.

Após e-mails e telefonemas sem retorno, a Agência Mural conversou pessoalmente com a secretária de educação, Maria Madalena Lopes Cravo Roxo, que justificou a falta de resposta por não conhecer o jornalista. Por fim, repassou para a área de recursos humanos a responsabilidade de responder quais eram os pisos registrados.

Ainda em Embu Guaçu, também houve a tentativa de fazer o pedido pela LAI. A diretoria de Valorização dos Profissionais da Educação respondeu que a solicitação deveria ser feita às secretarias de Educação, de Administração Pública ou de Gestão. O contato continuou com o RH, que afirmou estar organizando as informações. Em abril, indicaram que os valores estavam atualizados no Portal da Transparência.

SÃO CAETANO COBRA POR INFORMAÇÕES

Em São Caetano do Sul, a secretaria da Educação informou que o pedido deveria ser feito por meio da LAI. A Agência Mural registrou o questionamento no e-SIC, mas não recebeu retorno em 20 dias, período máximo para as instituições responderem ou pedirem prorrogação.

Ao questionar o Atende Fácil, central de atendimento da prefeitura, nenhum funcionário conseguiu auxiliar. Duas semanas após o vencimento do prazo, a Comissão de Avaliação e Monitoramento de Acesso à Informação enviou um e-mail para comparecermos ao Atende Fácil, retirar a resposta e pagar uma taxa de R$ 5. Questionamos o motivo pelo qual a resposta não poderia ser enviada virtualmente e o porquê da cobrança.

O artigo 12 da LAI afirma que o fornecimento de informação deve ser gratuito. Porém, pode ser cobrado se o pedido gerar gastos e o órgão justificar.

Segundo Marina Atoji, 33, gerente executiva da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), não é lógico precisar buscar a resposta pessoalmente, se a solicitação pode ser feita pela internet e os dados forem geridos por sistema eletrônico.

“A menos que fosse realmente um documento que não pudesse sair daquele local. Documentos que o sistema não consegue exportar”, diz.

A respeito de cobranças Marina explica que o solicitante pode declarar pobreza e ser isento. “Mas isso é uma camada a mais de burocracia para você ter acesso à informação, que já deveria ser pública, inclusive”, finaliza.


VOCÊ NÃO É FUNCIONÁRIA?

Taboão da Serra respondeu o primeiro e-mail rapidamente. Disse que passaria os pisos salariais. Entretanto, não retornou, apesar de cobranças. O município da região sudoeste da Grande São Paulo possui plataforma on-line para fazer pedidos da LAI, mas todos os cliques levavam para outra página com o termo “error 404”.

Registramos a solicitação pessoalmente no Atende Fácil. No entanto, a funcionária não conhecia a lei. “Mas não consegue achar na internet, moça?”, questionou. Ao retornarmos para saber se o pedido havia sido concluído descobrimos que a solicitação estava no RH, mas o atendente não sabia o motivo. Um superior foi chamado.

“Você não é funcionária pública?”, questionou. Ao receberem a negativa, a solicitação foi refeita. “Devem ter achado que você era professora e enviaram para o RH”. Na legislação, não há diferenciação para atendimento por cargo de quem solicita. Dez dias depois da visita, chegou um e-mail pedindo para que retornássemos. Lá recebemos um documento no qual dizia que a proposta do piso salarial nacional dos professores estava no gabinete do prefeito.

A Agência Mural questionou todas as cidades que apresentaram algum problema técnico ou nas quais as páginas de e-SIC não foram localizadas. Contudo, somente Francisco Morato respondeu. “Não constatamos nenhum problema na nossa plataforma de E-sic, mas vamos realizar testes para uma verificação mais profunda no sistema”, afirmou a gestão.

No dia 3 de abril, conseguimos solicitar os valores dos pisos salariais via Lei de Acesso à Informação, mas não houve resposta até o momento. De acordo com as estatísticas do e-SIC de Francisco Morato, neste ano, 27 demandas foram registradas até maio. Nove foram atendidas e 18 permanecem abertas. Em 2017, 14 de 18 pedidos foram respondidos.

Até o fechamento da reportagem, 25 cidades confirmaram algum piso salarial, sendo a maioria ainda no contato direto com as assessorias de imprensa. Entretanto, nem todas cumpriram o prazo solicitado ou passaram a informação completa.

SOBRE A LEI 12.527/2011

A Lei de Acesso à Informação entrou em vigor em maio de 2012. Ela assegura o direito de qualquer pessoa, independente de idade e nacionalidade, a solicitar informações de órgãos públicos, sociedades de economia mista e entidades sem fins lucrativos que recebam recursos públicos.

Marina Atoji comenta que a LAI ainda é desconhecida pela população geral e que os obstáculos para fazer um pedido e receber uma resposta contribuem para o distanciamento da sociedade. A diretora executiva da Abraji também ressalta que é um descumprimento da lei não capacitar servidores para atendimento da LAI. “Falta muito treinamento sobre a lei de acesso dentro do poder público. Toda a administração pública deveria estar ciente da existência dessa lei e da obrigação de transparência”, finaliza.

A dificuldade para acessar informações públicas não é raro no Brasil. Em 2017, a ONG Transparência Brasil enviou pedidos a 206 órgãos públicos dos poderes executivo, legislativo e judiciário das 27 capitais do país, com intuito de obter a base de dados de todos os pedidos via LAI desde 2012. Ao todo, 45% ignoraram a solicitação, 17% negaram acesso e 23% responderam parcialmente.

Os dados desejados eram para integrar a plataforma Achados e Pedidos, um banco colaborativo de pedidos de acesso à informação, projeto da Transparência Brasil em parceria com a Abraji.

Alguns problemas enfrentados pela Transparência Brasil durante o trabalho do ano passado são similares aos da Agência Mural. Na Câmara de Teresina (PI), a ONG não conseguiu enviar a solicitação, pois o endereço de e-mail não era válido e ninguém atendia ao telefone. A prefeitura de Vitória (ES) exigia que o recurso fosse protocolado pessoalmente.

O Programa de Transparência Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou, também em 2017, a pesquisa “Avaliando os 5 anos da Lei de Acesso à Informação brasileira”. Além de chamar a atenção para o despreparo de funcionários públicos, apresentou recomendações para assegurar o direito à informação. Um dos destaques é para que haja uma agência central de supervisão para o cumprimento da lei.

Outro ponto destacado pelo estudo da FGV é que o descumprimento da LAI pode ter menos relação com orçamentos e habilidades técnicas do que com liderança e incentivos. Um exemplo é Cacaulândia (RO), com PIB per capita de R$ 19.696,99. A cidade “assinou o termo de adesão ao Programa Brasil Transparente da CGU [Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União] em 2013, regulamentou a lei no mesmo ano, e em 2015 tornou-se uma das únicas 31 cidades a alcançar a pontuação máxima de 10 pontos na Escala Brasil Transparente da CGU”.

Questionada pela Mural sobre se algum tipo de suporte é oferecido às cidades para que elas se adequem a LAI, a CGU informou que desde 2013, por meio do Programa Brasil Transparente, auxilia estados e municípios na implementação da LAI. “São ofertados treinamentos, distribuição de material técnico e cessão do código-fonte do sistema e-SIC”.

A CGU também ressaltou que quem descumprir a LAI pode ser impedido de receber recursos por meio de convênios ou instrumentos similares. Além disso, os titulares do Poder Executivo local poderão responder por crime de responsabilidade.

Priscila Pacheco é correspondente do Grajaú
priscilapacheco.mural@gmail.com

 Julia Reis é correspondente de Taboão da Serra
juliareis.mural@gmail.com

Colaboração: Carina Barros (Glicério), Caroline Pasternack (Campo Limpo), Fabiana Lima (Santo André), Gabriel Sousa (Jardim Elisa Maria), Géssica Carvalho (Itapecerica da Serra), Gustavo Soares (São Miguel Paulista), Humberto Müller (Mairiporã), Jessica Bernardo (Grajaú), Jessica Silva (Mogi das Cruzes), Karina Oliveira (Vila Ayrosa), Kátia Flora (São Bernardo do Campo), Laiza Lopes (Mauá), Lucas Landin (Itaquaquecetuba), Lucas Veloso (Guaianases), Matheus de Souza (São Mateus), Paulo Talarico (Osasco), Priscila Gomes (Vila Zilda), Rubens Rodrigues (Embu-Guaçu), Sheyla Mello (Guaianazes).

HQ e infografia:

Magno Borges é correspondente do Jaraguá
magnoborges.mural@gmail.com