Pesquisador mantém acervo sobre hip hop na própria casa em São Bernardo

Jariza Rugiano

Dono de um acervo de 665 materiais sobre o hip hop em sua própria casa, King Nino Brown, o Joaquim de Oliveira Ferreira, 55, escolheu a pista de skate do Parque da Juventude Cittá Di Maróstica, no centro de São Bernardo do Campo, para ser entrevistado.

“Trouxe você aqui para perceber que equipamentos como esse recebem pouca atenção do órgão público”, comenta. “Recebi um título de cidadania são-bernardense em 2013 da Câmara Municipal, mas do que adianta isso se não abrem espaço para eu continuar trabalhando com cultura na minha cidade?”, questiona.

O desabafo de King Nino Brown, como se tornou conhecido, é devido aos últimos acontecimentos na região do ABC. Há cinco anos ele não encontra um espaço fixo para divulgar a variedade de vinil – 500 discos de soul, funky, jazz, blues, samba e rap, além de 50 CDs e 50 DVDs nos mesmos estilos, 30 livros e 30 revistas especializadas nos mesmos estilos musicais e em lutas negras nacionais e internacionais, teses, fotos, jornais e revistas. Os materiais ficaram disponíveis para pesquisa na Casa do Hip Hop de Diadema entre 1999 e 2013.

Por causa da mudança na gestão municipal de Diadema em 2013, o pesquisador foi dispensado. Tentou seguir com o acervo na Casa do Hip Hop São Bernardo do Campo, mas não conseguiu. Em maio, o espaço foi fechado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo que, por meio da Secretaria de Assuntos Jurídicos, informou que foi uma ação de reintegração de posse.

A prefeitura de São Bernardo do Campo explica que a entidade responsável pela gestão da Casa do Hip Hop não prestou contas sobre o repasse de verbas e não comprovou a realização de atividades regulares.

Por enquanto, a atuação cultural de Nino Brown se divide entre participações em palestras, debates e a exposição do acervo pessoal onde mora, que está disponível para pessoas interessadas no desenvolvimento dos bailes black e do hip hop no Brasil.

A história de Nino Brown com o hip hop começou cedo. Ele chegou ainda criança no Jardim Calux, em São Bernardo do Campo, nos anos 1970. Lá viveu o período em que as greves na região mobilizaram o país durante a Ditadura Militar.

“Ao mesmo tempo em que eu trabalhava como metalúrgico e participava das greves, quando sobrava um tempo para os bailes, percebia como a cultura de rua era espontânea e aberta para mais um somar”, lembra. “O lado ruim era a repressão de policiais que desconfiavam da gente sem motivo”, completa.

Brown se considera um historiador autodidata do movimento hip hop e da cultura afro. Morador da comunidade DER, bairro de São Bernardo do Campo, que surgiu a partir de um acampamento de funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) responsáveis pela construção da Via Anchieta nos anos 1940. Atualmente, Nino Brown trabalha no controle de acesso de veículos e funcionários na empresa Grupo Paulista.

RAÍZES NO HIP HOP

Alguns materiais que fazem parte do acervo. Foto: Jariza Rugiano / Agência Mural / Folhapress

Ao longo dos anos, o ex-metalúrgico virou personagem citado por artistas como Thaíde, na música “Sr. Tempo Bom”, e , em 1994, enviou uma carta para a sede da Zulu Nation (Bronx, em Nova York) explicando como o hip hop se desenvolvia no Brasil.

A carta chegou às mãos do fundador da organização, o DJ e produtor Afrika Bambaataa. Após receber informativos e responder questionários, Brown foi nomeado como principal representante da Zulu Nation Brasil. Por isso, o “King” no início do nome.

A Zulu Nation possui representantes em vários países para expandir os elementos do hip hop por meio da cultura de paz. “Hoje o hip hop é como a ONU das ruas, é a religião certa porque ele não exclui ninguém, traz todo mundo pra perto”, afirma.

“Cidadão do mundo, morador de São Bernardo do Campo”. É com essa frase que o pesquisador e educador do Museu Afro Brasil, Felipe Choco, define King Nino Brown como um comunicador nato e figura indispensável quando se trata de pesquisa sobre hip hop.

“Pela dança ou pela divulgação de seus fanzines com personalidades e lutas negras, ele nunca hesitou em emprestar ou presentear com cópias de discos, filmes e textos a quem a ele procura. Em era de “redes virtuais”, ele não perde o tom e sempre nos brinda com informações do mundo da música e da militância de orgulho negro”, descreve Choco.

Jariza Rugiano é correspondente de São Bernardo do Campo

jarizarugiano@agenciamural.org.br