Em Cidade Tiradentes, biblioteca estimula leitura de autores negros
Sheyla Melo
Em 1995, membros do coletivo de esquerda Força Ativa faziam uma ação na escola municipal Anna Lamberg, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Tratava-se do Vamos Ler um Livro, projeto para incentivar a leitura no bairro.
Um dos adolescentes na aula questionou a atuação. “Como ler um livro se não tem nenhum espaço para leitura aqui?”
Essa discussão sobre a falta de obras na região foi um dos incentivos para o grupo montar a biblioteca comunitária Solano Trindade. Fundada em 2001, ela é mantida de maneira autônoma no distrito com uma população estimada de 220 mil habitantes. O foco do trabalho são livros de autores negros e a cultura afro-brasileira.
O espaço é um dos poucos de estímulo à leitura na região. Além dele, há a biblioteca do CEU Água Azul e outra no Centro de Formação Cultural de Cidade Tiradentes.
Segundo o Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, a região conta com menos de um livro infanto-juvenil por habitante na faixa etária de 7 a 14 anos.
Montada em um espaço cedido pela Cohab na rua dos Têxteis, ela possui mais de 8.000 livros. “Vejo esse espaço há uns dois anos, passo no ônibus e hoje decidi entrar. Achei ela maravilhosa, é importante para a região essa opção”, afirma a moradora Estefani Savia, 32, que pegou três livros infantis que a filha escolheu no acervo.
Além da seção infantil, há duas alas especiais: uma de escritores negros e outra de teoria marxista. Também foi criado um acervo da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e outra do poeta Solano Trindade (1908-1974).
A obra de Solano incentivou a biblioteca a fazer um marca página com a poesia “Eu gosto de ler gostando”.“A família do Solano admira o trabalho, na inauguração a filha do poeta, Raquel Trindade, estava presente e um neto dele se colocou à disposição para grafitar aqui”, conta a coordenadora da biblioteca Suilan de Sá, 21. Raquel morreu em abril deste ano.
O local recebe eventos culturais como saraus e grupos de rap, atividades educativas, formação de professores e mediação de leitura com discussão sobre racismo.
Suilan é moradora do bairro e coordena com mais três jovens o espaço. Há dois anos, a biblioteca entrou na Rede de Bibliotecas Comunitárias Literasampa, o que permite receber recursos para a equipe de coordenadoras.
“Moro aqui e odiava ler, hoje leio três livros ao mesmo tempo. Essa biblioteca começou com uma necessidade da comunidade”, conta Mônica Corrêa, 18, que também coordena o espaço.
Boa parte dos membros fundadores tem outros trabalhos e atuam voluntariamente na biblioteca. “Não acreditamos na ideia de militância profissional, trabalhamos seis horas e aqui fazemos nossas quatro horas de participação política”, diz Nando Comunista, 47, um dos fundadores da biblioteca.
Sulian reforça que uma das características nas ações é sempre ter um momento de debate e reflexão. A cada mês uma obra de um autor negro como Lima Barreto (1881-1922) e Maria Carolina de Jesus é debatida. A próxima será da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. “Esse aqui é um local de militância, só dele existir já é um avanço, mas eu tenho vontade de ampliar o espaço e as ações”, conclui Sulian.
Sheyla Melo é correspondente de Cidade Tiradentes
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