Laje na Brasilândia vira espaço de teatro em São Paulo
Ronaldo Lages
A ausência de alternativas culturais dedicadas à juventude das periferias incomodava a arte-educadora e dona de casa Tatiane Góis, 29.
Foi quando ela decidiu usar o espaço da laje de sua própria casa na Brasilândia, na zona norte de São Paulo, para ensaiar e encenar peças teatrais montadas pela companhia que criou.
Batizada de Cia Teatro de Laje, o grupo nasceu em julho de 2017 dedicado aos jovens da região que desejavam aprender dramaturgia e que ensaiam no local aos domingos.
“As crianças sentam no chão e a gente monta [o cenário] com tecido improvisado. As telhas são de ferro e acabam por esquentar muito, é uma estrutura precária, mas é isso que deixa a laje atraente”, conta Tatiane.
“É um espaço colaborativo, alguns jovens ajudam a pintar e a varrer, por isso estamos buscando um apoio por meio de edital para comprar cadeiras e mesas para que nossas atividades tenham mais conforto”, ressalta a idealizadora do projeto.
Tatiane aproveita o espaço para promover debates e rodas de conversa sobre violência policial, genocídio da juventude negra nas periferias e encarceramento em massa dos jovens. Contudo, ela diz não trazer esses temas às peças na tentativa de quebrar imagens preconceituosas sobre quem mora na favela.
“As pessoas esperam ver uma peça com um traficante falando gírias, quando na realidade as meninas descem as vielas vestidas de fadas com os meninos de marinheiro cantando e tocando violão. Isso provoca, é uma quebra de estereótipos”, desabafa Tatiane.
A empregada doméstica Giovana Silva Rocha, 18, é voluntária na companhia e nunca havia frequentado um teatro antes.
“Me falaram sobre a ideia de montar um projeto para ensinar algo para jovens da quebrada e eu não acreditei que daria certo. Aos poucos a Tati foi divulgando no boca a boca, colando cartazes nos postes e chamando a comunidade, e vingou. As crianças descobriram uma forma gostosa de aprender”, declara.
“Às vezes até esqueço que estamos numa laje. É uma experiência diferente, eu consigo ver além daquilo, a mente trabalha junto”, relata a espectadora encantada.
Para Gustavo Henrique Amorim, 15, que desde o início do ano participa das atividades do grupo, o poder da arte sobre a população.
“Aqui no bairro existem muitos jovens como eu que têm interesse em teatro e não encontram oportunidade”, afirma Gustavo.
“A companhia contribui para libertar o nosso desejo e faz com que a comunidade possa entender que é possível fazer cultura aqui”, ressalta.
CINEMA
Não é apenas o teatro que tem espaço na laje de Tatiane. Há também um cinema improvisado uma vez por semana com a exibição de documentários como “Ilha das Flores” (1989) e filmes como “Cidade de Deus” (2002).
“Percebemos que muitos jovens estavam empolgados com as oficinas de teatro e decidimos fazer exibições de cinema, mas não tínhamos material. Sabendo disso, um amigo nos fez uma doação e pudemos realizar mais essa ideia”, conclui Tatiane.
Ronaldo Lages é correspondente da Brasilândia
ronaldolages@agenciamural.org.br