Banda de Guarulhos lança primeiro CD com crítica ao machismo
Thalita Monte Santo
Desde que se uniram para cantar em 2014, muita coisa mudou na banda As Despejadas. Houve a saída de uma integrante, a chegada de duas novas e, aos quatro anos, o lançamento do primeiro CD: “SouFrida Luta”.
As meninas de Guarulhos, na Grande São Paulo, começaram a cantar juntas no bairro do Pimentas, quando fizeram um trabalho em grupo na escola estadual Antônio Viana de Souza.
No disco, são 11 músicas autorais e uma de domínio público, que tratam do empoderamento feminino, denúncias sobre relacionamentos abusivos, preconceitos e o assassinato de jovens negros nas periferias.
“Na música tema, que também se chama SouFrida Luta, há a participação de mais de 40 mulheres cantando. E nós conseguimos levar todas elas para dentro do estúdio. Dividimos os horários, combinamos com uma parte determinada hora e revezamos. Foi um processo cansativo, mas incrível”, diz a cantora Lídia Martiniano, que também toca violão e cavaquinho.
As participantes do clipe são moradoras de Guarulhos. No meio da música, há a leitura de um poema escrito pelo grupo sobre uma das bandeiras da banda.
“Entender feminismo é entender que história como essa se repetem a todo instante
Só enquanto você ouvia essa música pelo menos uma mulher foi estuprada
E outras vinte espancadas no Brasil
Eu digo basta porque eu cansei de escolher minha roupa por medo
Eu cansei do seu psiu agressivo, das encoxadas
E eu cansei de ter medo só por ser mulher”
Para produzir o CD, foi feita uma campanha de financiamento coletivo na internet em 2017. Não conseguiram atingir a meta estipulada, chegando apenas em 50% do valor. Porém, com a quantia e as doações deixadas para elas no pandeiro durante os shows, foi possível dar os primeiros passos.
Artistas e produtores da cidade também ajudaram na concepção do trabalho. Aline Fonseca, que é artista plástica, foi quem confeccionou o encarte do disco com recortes e colagens de mulheres referências para a banda, como Frida Khalo e Iemanjá.
A fotógrafa Camila Rhodes, que também reside em Guarulhos, fez as fotos da banda que estampam o CD e artes de divulgação. Toda a gravação das músicas foi realizada pela gravadora Clam Discos, do produtor Will Carbônica, também do município.
O show de lançamento do disco aconteceu no auditório do Teatro Municipal Adamastor, no domingo (22), e teve a participação das crianças e adolescentes do Associação Elizabeth na abertura.
DESPEJADAS
Hoje a banda é composta por Ariadne Matos (percussão), Bruna Duarte (contrabaixo), Bruna Black (voz e bateria), Lidia Martiniano (voz e cordas), Nataly Ferreira (voz e cordas) e Vitória Silva (voz). Aline Maria (voz), se despediu do grupo para se dedicar aos estudos.
A escolha do nome surgiu quando estavam sentadas na porta da escola tocando instrumentos e cantando. Uma coordenadora passou e disse que elas estavam parecendo pessoas despejadas.
“E surgiu assim, igual a gente se juntou, de forma muito natural, como um estalo. A gente só começou a tocar junto”, explica Lídia.
Hoje elas consideram que o nome possui um significado emocional por conta de um dos textos de Carolina Maria de Jesus, escritora negra, morta em 1977, autora de “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”.
“No show de um ano, que foi um dos maiores shows que a gente fez, a Ariadne estava lendo Carolina Maria de Jesus, que pra nós também sempre foi uma referência. Ela leu um trecho antes do show e aí a gente entendeu o porquê de chamarmos despejadas”, diz Vitória.
“Ele dizia assim: ‘O Senhor Dário ficou horrorizado com a primitividade da qual eu vivo. Olhava tudo com muito espanto. Mas, o que ele tem que entender é que a periferia é e sempre foi o quarto de despejo de São Paulo. E eu sou uma despejada.’ E isso caiu como uma luva pra nós e o nome ganhou mais força pra gente”, conclui.
Thalita Monte Santo é correspondente de Guarulhos
thalitamontesanto@agenciamural.org.br