Bandas de rock resistem nas periferias e disputam campeonato em São Mateus

“Por incrível que pareça na nossa quebrada tem muita banda. Só de brother deve ter umas seis, sete que a gente consegue te falar o nome agora. Mas é difícil arrumar lugar para tocar na própria vila”.

A opinião de Ricardo Bruno Lopes da Silva, 26, baixista da banda Red Lights Dc, de Guarulhos, esboça o cenário do rock nas periferias da Grande São Paulo. 

Em busca deste espaço, no palco e nos fones de ouvidos, a banda do bairro dos Pimentas participou da terceira semifinal do festival “Quem Não Tem Barriga Não Tem História” e que terá a final disputada neste domingo (27).

O campeonato de rock and roll foi realizado na Casa de Cultura Municipal de São Mateus, na zona leste da capital paulista. Nos domingos do mês de julho caveiras e coturnos contrastam com as cores quentes dos grafites que decoram o espaço.

A banda Dark Inquisition mistura música medieval com Death Metal (Matheus de Souza/Agência Mural/Folhapress)

No domingo (29) será a final entre as bandas O Verme Vencedor, Surfistas do Vinil, Dark Inquisition e Rocinante. A Casa de Cultura aproveitou o mês do rock para realizar um projeto idealizado há anos.

O produtor Lucas Fernando Gomes, 27, é voluntário da Casa de Cultura e explica de onde surgiu o impulso para criar o evento. “Participei de uma oficina de produção há três anos na Casa. A partir daí comecei a frequentar o espaço e conheci o Maurício Nicoleti. Ele foi guitarrista e ativista do rock na região da zona leste. Ele quem me ensinou a admirar ainda mais as bandas de som autoral”, afirma. Nicoleti morreu no ano passado.

As bandas participantes apresentam duas músicas próprias para o corpo de jurados que avalia a performance, execução e diferencial, o toque de originalidade que cada grupo possui.

No total, 82 bandas se inscreveram e 16 foram selecionadas para quatro semifinais. O páreo vai além do festival. Para os roqueiros é difícil achar palcos.

“Tem muita banda boa, mas com pouca oportunidade”, relata Rafael Carvalho, 26, guitarrista da Dark Inquisition, de São Miguel Paulista, zona leste da capital. O grupo está há 18 anos na ativa e, em 2016, lançou o disco ‘Blood of my Enemies’ em parceria com roqueiros do Rio de Janeiro.

Para a vocalista da banda Teorias do Amor Moderno, Larissa Alves, a quebra de preconceitos entre os roqueiros é fundamental (Matheus de Souza/Agência Mural/Folhapress)

As dificuldades em gravar músicas e manter a visibilidade são reveses no mercado da música independente. O mestre de cerimônias Teotonio Tavares, 62, já colecionou centenas de discos de vinil de rock, e presenciou o surgimento de outros gêneros mais ligados ao mercado fonográfico.

“Você encontrava rock, os bailes eram rock, rock em todos os lugares e tinham os salões de samba. Até os anos 1990, aí começou a entrar outros estilos, como o pagode, já totalmentente saído do samba. A parte comercial tomou conta”, diz.

COMPARTILHADO

Mesmo com a disputa entre estilos, bandas de gêneros diferentes se ajudam de forma mútua na quebrada. “Quando a gente começou a brincar de banda, metade do nosso equipamento era emprestado de um grupo de samba e a gente emprestava caixas e mesa de som pra eles”, exemplifica o vocalista, Daniel Malkafly, 33, da Dark Inquisition.

Público acompanha apresentação da semifinal (Matheus de Souza/Agência Mural/Folhapress)

O cantor sugere como lidar com esse mal entendido musical. “Temos que entender que os outros estilos estão na mesma caminhada que você, que merece ter um espaço como você”.

No entanto, o preconceito existe dentro do próprio rock and roll. “Você vê roqueiro vaiando rock. Muitas vezes tá tocando banda de uma pegada e outros vaiam, sendo que tudo é rock”, menciona Larissa Alves, 28, vocalista e guitarrista da Teorias do Amor Moderno, banda convidada do festival.

Segundo Larissa, a discriminação vai além do gosto musical. “Escuto comentários como: ‘Puta, é mina. Aff,é mina na guitarra’. E quando você toca, você meio que impacta”.

A vocalista agrega mais uma batalha quando sobe ao palco. “Sou lésbica, fico ali com a minha correia do arco íris, para reforçar essa questão de que: Sim, é lugar de trans, homossexuais. É lugar realmente para todo mundo”.

Nego Fio, Lucas Gomes e Byanca Lima foram os jurados da terceira semifinal do festival (Matheus de Souza/Agência Mural/Folhapress)

Para a publicitária Bianca Gatti,21, que acompanhou os shows da terceira semifinal, é a resistência que mantém o rock. “É esse lado revolucionário que não vai deixar o rock morrer. Ele veio para querer mudar o mundo, porque a música é a única coisa que move o mundo”, diz.

Além da homenagem a Nicoleti, o festival “Quem Não Tem Barriga Não Tem História” premiará o vencedor com a gravação de uma música em estúdio e o troféu ‘Maurício Nicoleti’. As apresentações começam às 14h e serão encerradas com show da banda convidada Ac/Dc Let there be rock.

A Casa de Cultura Municipal de São Mateus fica na rua José Francisco dos Santos, 502.

Matheus de Souza é correspondente de São Mateus
matheusdesouza@agenciamural.org.br