‘Cidade Tiradentes é uma mulher negra e mãe solteira’, diz escritora Cláudia Canto
Giacomo Vicenzo
Moradora de Cidade Tiradentes desde os anos 1980, no extremo leste de São Paulo, a escritora Cláudia Canto não gosta de rótulos.
“Sou uma autora negra e da periferia, mas isso não quer dizer que tenha que escrever só sobre esses temas. Sou livre”, afirma.
Com uma obra que trata do bairro e outras que falam sobre temas como economia criativa, Cláudia se tornou escritora após trabalhar como empregada doméstica.
A jornalista tem dado palestras em escolas da periferia de São Paulo e em unidades da Fundação Casa sobre o último livro “Riqueza Ignorada – A Grande Descoberta”, lançado em 2018 pela editora Dourada. Além das obras, ela acabou de inaugurar um canal no Youtube chamado Programa Mergulho na Vida.
O trabalho da autora tem como pano de fundo sua trajetória. Nascida em São Miguel Paulista, também na zona leste, Cláudia viveu em uma casa de um cômodo com a mãe, três irmãs e um irmão esquizofrênico.
“Só quem vive em sub habitações ou em favelas sabe qual a importância de ter uma casa com um CEP, um banheiro dentro de casa e um tanque”, relembra sobre a infância em São Miguel.
Sorteados para adquirir um imóvel da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) em Cidade Tiradentes, a escritora transformou a chegada ao bairro em 1984 no livro “Cidade Tiradentes de Menina a Mulher”.
A obra escrita em 2008 é a quarta publicação de Cláudia e entrelaça histórias do início da puberdade da autora com o crescimento do distrito.
“Escolhi uma mulher negra para contar a história do bairro. Acho que tem um simbolismo forte. Cidade Tiradentes é uma mulher que teve filhos desordenadamente e não pode cuidar de todos no início. No começo aqui não tinha hospital, não tinha nada”, explica.
EUROPA
Leitora assídua desde os 13 anos, o primeiro passo para Cláudia escrever veio em Portugal, para onde viajou com apenas 500 euros na mochila em 2001, para tentar a sorte como jornalista.
Contudo, sem visto, o sonho foi por água abaixo. Com pouco dinheiro, ela começou a trabalhar como empregada doméstica, tempo em que considera ter vivido 10 meses em “serviço de cárcere”. Podia sair da casa somente aos domingos.
Da experiência surgiu o livro “Morte às Vassouras”, uma espécie de diário de bordo dos 11 meses que passou em terras lusitanas, publicado em 2002. A publicação atraiu atenção internacional. Margaret Anne Clarke, docente Sênior na University of Portsmouth, entrou em contato com Cláudia com interesse em traduzir e lançar seu livro.
A estudiosa inglesa visitou a autora em Cidade Tiradentes e Claudia viajou à Inglaterra para lançar o livro nas universidades de Oxford, no Kings College de Londres e na Universidade de Glasgow.
Claudia continua a morar em Cidade Tiradentes e afirma que levará as histórias e lembranças da região com orgulho.
“Muita gente tem vergonha de dizer que mora aqui, eu inverti a lógica, quando me olham com rabo de olho ou desdém do lugar onde eu moro, rebato que este é o maior conjunto habitacional da América Latina”, enfatiza. “Quem ainda não conheceu, precisa conhecer”.
Giacomo Vicenzo é correspodente de Cidade Tiradentes
giacomovicenzo@agenciamural.org.br