‘Muita gente nos subestima por sermos mulheres’, diz rapper de Itaquera

Larissa Darc

Quando Glória Infante (Lóry), 19, e Sabrina Infante (Sinf), 16, começaram a frequentar batalhas de rimas em 2016, não imaginavam que estariam entre as poucas mulheres das disputas de quem consegue compor melhor no momento.

As duas chegaram a se enfrentar no torneio final da Batalha da ZIL, realizada na Cohab 2, em Itaquera, zona leste de São Paulo, na qual Sabrina saiu como vencedora. Apesar da rivalidade momentânea, o episódio aproximou as primas que passaram a compor letras de rap juntas.

“Sempre fiz poesias. Com 13 anos comecei a escrever letras de músicas folk, voltadas para a MPB. Depois das batalhas, continuei escrevendo, mas em cima de outro estilo musical”, conta Sinf.

A brincadeira ficou séria após uma publicação em uma rede social em 2016. O vídeo das garotas cantando  “Fugaz”, primeira composição autoral da dupla, chamou a atenção de Anderson da Silva, o Dj Radhar. Após uma rápida conversa pela internet, marcaram o primeiro ensaio juntos.

Dias depois, o Infante Rap fazia o primeiro show. No palco do Reação Hip Hop, evento com apresentações de rap nacional, abriram a apresentação da Karol de Souza, rapper do coletivo Rimas e Melodias.  

O nome do trio surgiu por causa do sobrenome das garotas e porque ele vem de infantaria, grupo de combatentes do exército. “Desde pequenos nós [da periferia] somos mandados para a guerra. Precisamos nos esforçar muito mais, temos que trampar, estudar, fazer o corre”, explica Lóry.

As composições do Infante Rap ressaltam a resistência feminina no rap (Fábio da Silva/Divulgação)

O videoclipe, que superou a marca de mil visualizações em menos de 24 horas, foi gravado de maneira independente pela Biofa Rec Life & Beco Filmes. As filmagens foram financiadas com o dinheiro do primeiro cachê expressivo recebido por uma apresentação.

“Será que é difícil de acreditar que mulher também pode ser uma canção?”

“Sempre vai ter um pra desmerecer /Às vezes mais dois desacreditar / Vou dar meu melhor ele nem vai ver / Mas se eu ramelar ele vai gargalhar”, trecho da música “Quem são essas mina?”.

A ideia para a composição surgiu como uma crítica a um conhecido que duvidou da autoria das canções escritas pelas meninas.

“É complicado ser uma mulher MC. Tem muita gente que nos subestima e duvida da nossa capacidade de escrever simplesmente por sermos mulheres”, desabafa Lóry. “Apesar disso, queremos deixar claro que não estamos declarando guerra aos homens. Queremos apenas mostrar que podemos ser tão boas quanto eles”, ressalta.

Dj Radhar complementa. “No rap feminino é mais difícil até na hora de fechar um show. Eles dão preferência para homens. Agora estão começando a surgir nomes femininos como Issa Paz, Sara Donato e Drik Barbosa. Mas até pouco tempo só ouvíamos falar de Emicida, Rashid e Criolo”.

Já em produção, o primeiro disco (EP) com três músicas inéditas será lançado ainda neste ano. Por enquanto, apenas “Quem são essas mina?” está disponível nas plataformas digitais.  

Atualmente a maior dificuldade do grupo é conseguir adaptar a vida pessoal com a artística. Dj Radhar trabalha como oficineiro e Sinf concilia estágio com o ensino médio. “Somos nossos próprios produtores e nos dividimos para fazer a agenda de shows”, explica o Dj.  

Quando sobem ao palco, elas fazem questão de se apresentar como residentes dos bairros Cohab 2 e AE Carvalho.  “Minha música reflete o que eu vivo na minha quebrada. Nós habitamos comunidades humildes que têm muita história para contar”, diz Sinf. 

“Nós somos Infante e de onde nós viemos pode ter certeza tem mais de um milhão”, canta Lóry.

Larissa Darc é correspondente do Parque do Carmo

larissadarc@agenciamural.org.br