Camelôs atraem clientes no Cambuci e falam de receio do ‘rapa’
Andressa Alves
Dia frio, céu nublado e garoa fina. O típico clima do inverno não diminui o movimento no Largo do Cambuci, um dos bairros mais antigos de São Paulo. O comércio é variado nas ruas em volta da praça. Entre tanta gente que passa, muitos observam o dia enquanto esperam vender o que trazem.
São cerca de 10 camelôs na região. Com idades entre 45 e 66 anos, a maioria é nordestina e vive em São Paulo há mais de 20 anos. Ao falar sobre o ponto revezam elogios e olhares de atenção com a chegada do “rapa” – a ação de fiscais da prefeitura, que apreende mercadorias.
Em pé, encostado no poste ao lado do farol, com um carrinho de açaí e cupuaçu, Maurício Inácio da Silva, 49, mora e trabalha no bairro.
No dia anterior, os fiscais levaram seu carrinho, e precisou da ajuda de um amigo para continuar trabalhando. “Estou triste, levaram tudo, não tenho como comprar. Isso aqui [aponta para o carrinho] é emprestado de um amigo. É difícil. Mas não vou desistir”, diz. Ele afirma que apesar da ação, não pretende trocar o ponto. “Aqui é bom demais”.
Todos os dias, o Largo do Cambuci tem calçadas ocupadas por mesas e telas expondo alimentos, acessórios, brinquedos e pequenos aparelhos eletrônicos. Produtos parecidos, mas rostos diferentes. Os vendedores revezam dias e horários. Avisam apenas para os clientes fiéis o dia certo que estarão de volta.
Atrás de uma mesa baixa, repleta de temperos coloridos, o baiano Juscelino Gomes, 45, sai do Parque Santa Madalena, na zona leste de São Paulo, para vender na região. Há pouco mais de seis meses fazendo esse trajeto, o vendedor já conquistou a confiança e amizade dos moradores.
“Hoje, tenho quase 100 clientes. Todos aprovam meu produto. A maioria aqui é de mais idade, então são mais gentis”.
Os temperos de Juscelino têm cores fortes. O vendedor explica que compra os condimentos e monta, ele mesmo, os pacotinhos. “Compro bonitinho, com nota fiscal, tudo direitinho”, explica.
“O ruim é que a gente não tem paz. De uma hora pra outra eles [os fiscais] param a perua aqui e tomam tudo”, comenta.
Segundo a prefeitura, para atuar de forma regular nas ruas de São Paulo, os vendedores ambulantes precisam possuir um TPU (Termo de Permissão de Uso). O documento legaliza as mercadorias, os equipamentos utilizados (dimensões e disposição na via pública) e a frequência (dias e horários).
Segundo a SMPR (Secretaria Municipal das Prefeituras Regionais), a cidade tem aproximadamente 1011 permissões de uso vigentes. A solicitação do TPU deve ser feito junto à prefeitura regional da região onde o vendedor ambulante atua.
Porém, ao entrar em contato com a Prefeitura Regional da Sé, os atendentes informam que não emitem o termo. Ao ser questionada, a comunicação da SMPR afirma que as emissões estão suspensas até outubro deste ano.
LUGARZINHO QUERIDO
Na barraquinha de tapioca de recheios doces e salgados, Antonia Lourenço, 66, é a única que fica todos os dias no mesmo lugar. “Tô aqui de segunda a sexta. Antes eu vinha sábado também, mas agora só venho durante a semana”.
Moradora do bairro há 40 anos, a senhora de avental claro e touca branca sorri enquanto fala do lugar. “Gosto muito do Cambuci. Aqui todas as coisas estão perto”. Mas fica séria ao comentar sobre os moradores de rua. “Poderiam arrumar um lugar adequado para que eles fossem cuidados e pudessem fazer tratamento”.
O dinheiro da venda das tapiocas ajuda a pagar o aluguel. “Monto a barraca sozinha, mas tem um menino ali na frente que ajuda a carregar. Ainda não tenho minha casa que já deveria ter, mas pago aluguel”, completa.
Com touca de crochê, casaco preto e esfregando as mãos para amenizar o frio, Almerinda Pereira fica sentada ao lado da sacola cheia de guarda-chuvas. “Cada um que vem comprar ajuda a gente”.
“É coisinha pouca com que eu trabalho, trago na sacola mesmo. Sou sacoleira”, explica sorrindo a cearense de 61 anos que vem do Ipiranga. “Morava aqui antes e não quis deixar meus clientes. Tenho mais de 20 anos nesse lugarzinho querido”, ressalta.
Sem aposentaria, com estudo incompleto e não tendo mais como trabalhar por ter problema na coluna, Almerinda conta que sempre trabalhou como faxineira em casa de família, mas nunca teve carteira assinada. “Isso aqui é só pra gente não ficar sem comprar o alimento para o lar da gente. Se a gente não trabalhar, vai viver de quê?”, questiona.
Andressa Alves é correspondente do Ipiranga
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