‘O público vê o teatro como um espelho’, diz Darlan Júnior, ator de Suzano

Rômulo Cabrera

Quando subiu no palco pela primeira vez, Darlan Júnior, ainda com 11 anos, se deparou com um mar de gente que o olhava fixamente. Não há dúvida de que aquelas pessoas queriam devorá-lo. A sensação, segundo conta, foi a de sentir-se congelar todo por dentro. “Aí enfiei as duas mãos nos bolsos da calça e… cantei.”

A música, que não era lá uma obra-prima (“mas, no mínimo, engraçada”), descreve um sonho que Darlan teve à época. Nele, o garoto se vê com uma namorada que vai embora com outro rapaz – que depois é preso, sai da cadeia e volta para agredi-lo. “Percebe como era horrível”, brinca.

No entanto, foi suficiente para que ganhasse um dos prêmios do festival de calouros organizado pela escola onde estudava, em Suzano, município da Grande São Paulo.

Darlan é o tipo de pessoa cuja presença diverte tanto quanto suas histórias. Talvez seja a barba desgrenhada, um modelo sem grife do maluco beleza Raul Seixas. Talvez seja a risada, ou quem sabe, emane uma energia divertida que só os atores cômicos têm.

Fato incontestável, porém, é a pluralidade de ritmos musicais que embalam seus passeios de carro pela cidade: começa com Jorge Ben Jor, passa por Gene Kelly e Iron Maiden, e termina com “No Cume”, de Falcão.

Desde a primeira experiência nos palcos, Darlan, 32, se profissionalizou como ator, casou-se e é pai de duas filhas. No currículo, soma mais de 20 espetáculos teatrais. Atualmente, está em cartaz com a montagem “Neurastenia”, no Espaço Parlapatões, em São Paulo.

Ator conta ter pesadelos toda véspera de estreia (Rômulo Cabrera/Agência Mural/Folhapress)

COM AS MÃOS NOS BOLSOS

A ligação de Darlan com os palcos e com a comédia surgiu, em parte, por causa do pai. Gaúcho e fã de programas de humor, o pai costumava pedir para que ele contasse piadas para as visitas e em festas da família.

Era comum os pais lhe dizerem “você vai ser artista e ainda não sabe”. Mas foi num festival organizado pela escola, em 1997, que Darlan teve a certeza do que queria. Decidiu inscrever uma música de autoria própria.

No palco, diante de todas as pessoas, o garoto congelou. Como um mecanismo de defesa, preferiu esconder as duas mãos nos bolsos da calça. Fez toda a performance assim, retraído. Quando terminou, “a galera gritou”, “a galera enlouqueceu”. Pediram “bis” e “foi uma revolução para mim”.

“Foi uma felicidade tão… louca, tão intensa, que me deu vontade de chorar. Lembro-me até hoje dessa sensação”, conta.

Darlan não chorou. Não faria sentido depois de ter feito o público rir. E por mais que quisesse chorar, gritar, por mais que corpo parecesse “pegar fogo”, o garoto no palco manteve a postura (com as mãos no bolso) e foi embora.

FORMAÇÃO

Há cerca de 15 anos, quando Darlan começou a trabalhar profissionalmente como ator, “o caminho já estava pavimentado” por outros artistas de Suzano.

“Foi um período de formação, me espelhava em experiências de outros profissionais da cidade”.

Ele cita Cleiton Pereira e Daniele Santana [Contadores de Mentira], Cidão [Teatro da Neura] e Drico. Na época, havia o Galpão das Artes, espaço cênico construído e mantido pelos grupos teatrais.

“No período de vacas gordas”, o local recebeu a 1ª Mostra de Referências Teatrais, com coletivos de todo Brasil. Hoje, o antigo Galpão deu lugar a um restaurante e playground para crianças.

Darlan em ação durante peça (Rômulo Cabrera/Agência Mural/Folhapress)

ESPETÁCULO COMO ESPELHO

Aos olhos dos outros, diz Darlan, o artista “faz as coisas por si mesmo” – como se buscasse satisfação pessoal, única e exclusivamente. “O que é um erro”, afirma. 

O ator tem (ou deveria ter) grande preocupação com o público. “Quando não conseguimos impressioná-los e inspirá-los do jeito que prevemos nos ensaios, ficamos incrivelmente frustrados.”

Por “inspirar”, Darlan se refere ao momento em que o público olha para o palco e se reconhece nele, nos conflitos e nos próprios dilemas. “Eles olham o espetáculo como um espelho”, conta.

“Acho que inspirar às pessoas é isso: quando você toca uma ferida e a pessoa reflete sobre aquilo. Ou quando você se coloca no lugar delas e, no caso do palhaço, erra no lugar delas – e faz com que aquele riso não seja sobre o personagem no palco, mas sobre a própria pessoa.”

PESADELO

“Oi, meu nome é ‘Filé’, sou ator, músico, escritor, poeta, palhaço, diretor e… desempregado”, foram as falas iniciais de Darlan, numa abertura que quase sempre termina com algumas boas gargalhadas.

Mas agora ninguém riu. “Que horrível”, diz alguém. “Foi pra isso que eu vim?”, reclama outro. Em um movimento quase coreografado, todas as pessoas na plateia se levantam e vão embora.

No entanto, é um pesadelo. Darlan conta que não há nenhuma estreia, desde 2013, que não tenha tido esse sonho. Segundo ele, essa cobrança surgiu quando passou a imprimir as próprias ideias nos trabalhos que realiza.

“A partir de 2013, comecei a trabalhar meu texto, minha direção, concepção, piadas. Virou uma loucura porque me cobro e [sinto que] sou cobrado. Esse anseio por ser genial a todo momento pode virar um ‘monstrinho’”, revela.

Darlan escreve e dirige montagens para outros grupos teatrais. Quando contratado, se apresenta em empresas por todo país.

Para ele, é necessário respeitar o público até o último minuto. “Essas pessoas decidiram sair de casa, deixaram de ver Netflix, de ir ao futebol, de tomar uma cerveja com amigos, tudo para ver você.”

“A performance do ator precisa ser incrível, redentora. O teatro é essa suspensão no tempo. Você precisa ‘suspender’ o público de uma maneira que nunca mais esqueça aquele momento”, afirma.

No fim das contas, o ator vive às custas da opinião e do riso do outro. É o que o próprio Darlan diz: “O ser humano é tão vulnerável quanto uma linguiça”.

Rômulo Cabrera é correspondente de Suzano
romulocabrera@agenciamural.org.br