Produtores das periferias querem levar cerveja artesanal a seus bairros
Lara Deus
Jéssica Bernardo
Quem passa pela silenciosa rua Benedita Joana Franco, no Jardim Monte Alegre, em Taboão da Serra, não imagina que dentro de uma casinha há uma produção de cerveja artesanal em andamento.
As primeiras garrafas da cerveja Benedita foram produzidas de forma despretensiosa na cozinha de Eneide Gama, 46, e sua esposa Melissa Miranda, 41, no início de 2017.
“Vamos tentar vender. Se não der certo, a gente toma”, pensaram à época. O nome era uma homenagem à rua onde vivem, mas também aos retirantes nordestinos, já que o pai de Eneide, Benedito, veio de Alagoas para ganhar a vida em São Paulo.
Hoje em dia, elas trabalham exclusivamente em função da marca. Junto com as duas, também se somou Márcia Martins, responsável pela parte comercial do negócio.
Os principais pontos de venda da Benedita são os bares e eventos que acontecem na periferia da zona sul de São Paulo. O foco nesta região não foi à toa.
“A gente começou a perceber que as pessoas atravessavam a ponte para pagar R$ 25 em um copo de chopp em Pinheiros. Foi quando surgiu um desejo, acho que das três, de dar acesso a uma cerveja de qualidade a preços justos na periferia”, explica Melissa.
“Cerveja de qualidade não é só pra Vila Madalena, é pra quem tem direito a ela. E somos nós”, complementa Eneide.
SAMBA
Com a mesma preocupação nasceu a Cerveja do Samba, produzida por Rafael Mesquita, 38, e Jaime Lopes, 37, no Jardim Monte Azul, na zona sul de São Paulo.
“A gente tem centenas de eventos culturais que acontecem nas periferias. E nesses lugares o principal consumo que se tem de bebida alcóolica é o de cerveja”, comenta Rafael.
“Pensamos em fazer nossa própria cerveja para se apropriar desse processo, ter o nosso próprio produto e fazer com que esse recurso fique na nossa comunidade”, conta Rafael.
A bebida é fabricada em São Lourenço da Serra, cidade da Grande São Paulo, em uma propriedade de Rafael. O produto é vendido no evento cultural Samba do Monte, que dá nome à marca.
A forma industrial de produzir cerveja, em grandes quantidades, também interfere no aspecto e no sabor. As cervejas produzidas em larga escala geralmente são mais claras, menos encorpadas e com sabor menos intenso do que as artesanais.
Rafael conta que a diferença no sabor impressiona as pessoas que antes duvidavam de sua capacidade. “Já tive a experiência de pessoas de outra classe social experimentar a minha cerveja e falar ‘nossa, nem imaginava que era tão boa’”, relata ele.
QUALIDADE
Formado em ciências da computação, Fabiano Mello, 37, se juntou ao engenheiro Tarik Malian, 33, para criar uma marca de cerveja artesanal em Pirituba, a Hidra Beer. Eles começaram a produzir a bebida para consumo próprio em 2015 e, desde 2016, vendem para bares da zona oeste.
“Hoje, o pessoal já se alimenta melhor, então busca tomar uma cerveja dessa, só de ingrediente natural. Uma cerveja puro malte que não tem nenhum conservante, nenhum produto químico faz diferença”, diz Mello.
O processo de produção da Hidrabeer dura cerca de 35 dias. Primeiro, é feita a braçagem e fervura dos ingredientes, depois, a filtragem. Após esta etapa, os ingredientes ficam 15 dias fermentando e depois mais 15 a 20 dias maturando.
Os amigos também começaram na cozinha de casa, mas hoje alugam uma fábrica no interior do Estado, onde produzem e engarrafam o produto.
Segundo Tarik, as dificuldades dos pequenos produtores para se regularizar, como o pagamento de impostos, são as mesmas. Para eles, a meta é estar nos bares de toda a cidade. “Temos que ser persistentes. O mercado é grande e dá para todo mundo morder uma fatia”.
Jéssica Bernardo e Lara Deus são correspondentes do Grajaú e de Pirituba
jessicabernardo@agenciamural.org.br
laradeus@agenciamural.org.br
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