Auxiliar de limpeza ensina a fazer bolos na zona norte de São Paulo
Aline Kátia Melo
Márcio Ferreira de Lima, 40, é auxiliar de limpeza no CIC (Centro de Integração à Cidadania) Norte há quase quatro anos, no bairro de Jova Rural, na zona norte de São Paulo. Trabalha de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h30. Nos últimos dois meses, contudo, a rotina depois do expediente mudou.
Duas vezes por semana, ele ficou mais uma hora e meia para ensinar homens e mulheres a colocar a mão na massa e fazer pães, doces, bolos, salgados.
“Desde os 20 anos trabalho com as duas coisas: limpeza e fazendo bolos, doces e decoração em casa”, conta. Com apoio de moradores e do comércio local, ele montou um curso no próprio trabalho.
Márcio vende bolos na região onde mora, na Brasilândia, na zona norte de São Paulo. Para propagar o serviço, usa cartões, cartazes e as redes sociais. Por enquanto, porém, a atividade culinária não garante todo o sustento.
“Gostaria de ter uma sala e continuar a dar aulas para as pessoas. Eu não deixo meu emprego porque esse é o meu sustento, ganha pão. Se falta ingrediente, ou gás, eu tenho como comprar. Meu emprego fixo é meu apoio principal”, confessa.
Márcio mora sozinho nos fundos da casa da mãe e está na área da limpeza há 15 anos. O receio da mudança vem pelo mercado de trabalho. Uma prima que trabalha no setor está há um ano sem emprego. “Tenho medo de perder meu serviço”.
A taxa de desemprego bateu 12,4%, segundo o IBGE, no segundo trimestre. Do total, 56,4% dos desempregados são pardos ou negros.
DESDE CEDO
O interesse pela cozinha surgiu na adolescência quando ele tinha 12 anos e uma das irmãs mais velhas começou a fazer curso de culinária. “Ela me levava e comecei a gostar”, diz. Com 15, fazia bolo sozinho. Depois, começou a vender. “Lembro do primeiro bolo de cenoura que fiz, que ficou solado, mas eu fui tentando até conseguir”, relembra.
A vontade de compartilhar o que aprendeu com outras pessoas surgiu na mesma época, mas a oportunidade só se concretizou em agosto deste ano. Ele tentou participar de um projeto social da escola de samba Rosas de Ouro e também fez uma proposta para o Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) da Prefeitura de São Paulo.
“Depois que não passamos no VAI fiquei triste, mas no outro dia falei com a Denise [Conceição Silva Avarese], diretora do CIC. Mandamos ofício e um hipermercado da região aceitou fazer uma doação de material para três meses”, explica. Os alunos também ajudaram. “Uns traziam farinha. Outra doou uma caixa de ovos fechada, que foi entregue aqui”, diz.
Ao conseguir material, o curso foi divulgado com 40 vagas, em duas turmas sendo 20 nas segundas-feiras e 20 nas sextas-feiras. Ao todo, 30 concluíram as atividades.
“A gente andou pelas ruas aqui perto levando panfleto. Pensei que ninguém viria, mas vieram senhoras, jovens e casais”, diz. “No primeiro dia, eu fiz, ensinei, mostrei. Depois falei, agora vai ser com vocês. E começaram. Ensinei a fazer broa, rocambole, cupcake”, enumera.
ALUNAS
Por ter sido realizado em dias de semana no período da tarde, o curso atraiu pessoas fora do mercado formal de trabalho como Amaurícia Porto, 51. “Tem pessoas aqui desempregadas, que querem montar um negócio, ou que já vendem. Esse curso vai melhorar a vida de muita gente. A minha mesmo estava parada”, diz a dona de casa.
Assim como Márcio, a estudante Giovana Gonçalves, 16, aprendeu a preparar bolo com familiares e também vende por encomenda. “Eu amo fazer doces”, diz.
Trabalhar em casa foi uma opção para cuidar do filho de 1 ano e dois meses, que teve meningite. “Quem dá remédio e leva ao hospital sou eu. Parei de estudar, não posso trabalhar nem fazer nada fora, mas faço bolo de pote em casa”.
A formatura da primeira turma foi realizada na última quinta-feira (8), mas Márcio ainda não sabe se vai conseguir continuar. “Vou esperar virar o ano e ver o que faço”, diz. “Vou esperar ver se vai ter novos editais”.
Aline Kátia Melo é correspondente da Jova Rural
alinekatia@agenciamural.org.br
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