‘A poesia salva os moleques’, diz menino poeta da zona leste
Lucas Veloso
Uma professora na zona leste de São Paulo decidiu apresentar literatura para os alunos. Os poetas ali não estão nos livros escolares, mas nas ruas. Moravam no bairro, eram artistas das periferias e, principalmente, estavam vivos, ao invés de apenas no passado.
Foi naquela aula de história, na escola municipal Professora Wanny Salgado Rocha, que Isaac Quaresma, 14, conheceu a poesia. Morador de Cidade A.E. Carvalho, na zona leste da capital, ele começou a frequentar os saraus do bairro e a conhecer mais pessoas que falavam, de maneira rimada, sobre coisas que ele também vivia.
A primeira poesia de Quaresma foi bem sucedida. Foi escrita para homenagear um amigo da escola que sofreu um acidente. Alguns dias depois de escrita, o menino mostrou para a poeta Mariana Félix, que o elogiou e incentivou a escrever mais.
“Toda escola deveria ter poesia para salvar os moleques, as minas, tá ligado? É importante porque muda a visão dos adolescentes e das crianças”, comenta.
Ele afirma que a escrita ajuda a buscar novas perspectivas.
“Mano, [depois da poesia] mudou bastante de comportamento. A escola era bagunçada, e hoje tem mais disciplina, os moleques escrevem ou fazem uma batalha no intervalo”, exemplifica.
A vida é ritmo e poesia a gente desenrola na funçãoO Brasil tá fodaO sistema faz você ser a favor da corrupção[…]Programado pra morrer nois éMas com papel e caneta nois mata esses zé
O palavrão nas rimas, contudo, são questionadas por uma ouvinte fiel, sua mãe. “Ela tem umas restrições porque é bastante religiosa. Se eu falar palavrão na poesia ela já chega dando puxão de orelha. Mas nenhum conselho é à toa, é sempre bom, ainda mais de mãe”, admite.
Isaac costuma dizer que a inspiração para escrever é fruto da vivência no bairro, mas também cita políticos, como o caso da vereadora carioca Marielle Franco: “mataram a mina que tava na luta”.
Em 2016, foi o vencedor do Slam Interescolar SP, campeonato de poesias faladas entre alunos representantes de escolas do estado de São Paulo, organizado pelo Coletivo Slam da Guilhermina. “Eu era o poeta mais novo. Cheguei lá, falei minhas poesias e, na final, todo mundo começou a gritar meu nome. Mandei minha poesia e ganhei, lembro como se fosse ontem. Estou sendo bastante reconhecido agora”.
Além de ser aluno do nono ano, ele pratica basquete, futebol e vôlei, edita vídeo, frequenta saraus e participa de batalhas de freestyle. Na vizinhança, é conhecido, graças às gravações que já fizeram de suas poesias.
A última conquista do menino, poeta da zona leste, foi o primeiro lugar no Slam Tiquatira, em outubro. Como prêmio, ganhou uma camiseta do campeonato, troféu, além de um livro.
No entanto, ele diz não estar interessado nas premiações. “Se ganhar ou perder, eu vou estar feliz, o que importa é que a mensagem foi passada”.
Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br
Muito bom. Literatura pra gritar e libertar!!!