Várzea de SP não tem confusões como as da Libertadores, afirmam dirigentes
André Santos
Nesta segunda-feira (17), a Conmebol realiza o sorteio da Copa Libertadores em meio à desconfiança, após as confusões da última edição. Depois do ataque ao ônibus do Boca Júniors na decisão do torneio, a final foi transferida para a Espanha com o título do River Plate semana passada.
Parte da imprensa esportiva comparou o principal torneio do continente a uma várzea, por conta da reação da torcida do River. Mas seria justo comparar com os atuais campeonatos do futebol amador com esse caso?
“Não aconteceria na várzea. Já vi um time ser punido porque um cara subiu na grade do campo, foram multados”, defende o articulador e educador cultural Alex Barcellos, 39, que integra o Resenha Poética da Várzea, e frequenta o futebol amador de São Paulo desde os sete anos.
A opinião é seguida por outros participantes do esporte amador de São Paulo que tem se organizado e realizado competições que movimentam até R$ 3 milhões.
“A várzea é tecnologia de ponta, de potência, com todas as conexões que temos da várzea com o entorno, com a comunidade”, ressalta.
Ele afirma que o esporte varzeano tem mantido as raízes, diferente das restrições impostas no profissional. “Esse futebol da TV já não é mais nosso. A várzea ainda mantém as camisetas, os tambores, mantém toda essa narrativa.”
O empresário Sérgio Pioneer, 43, é ex-presidente do Pioneer, time da Vila Guacuri, no distrito de Pedreira, na zona sul. A equipe existe desde 1981.
Hoje, Sérgio é responsável pelo marketing da equipe e encarregado de trazer investimentos para a Super Copa Pioneer, campeonato que reúne 80 times e distribui mais de R$ 100 mil de premiação.
Ele afirma que o torneio tem a cota de patrocínio disputada por duas grandes empresas de telefonia móvel do Brasil.
Alguns times de ponta chegam a gastar entre R$ 4.000 e 5.000 por jogo. Há jogadores com cachê de R$ 500 por partida. Caso faça 4 jogos por mês, dá para embolsar R$ 2.000,00.
Na comparação com o futebol profissional, a chamada Bezinha (quarta divisão) do Campeonato Paulista, possui atletas que recebem um salário mínimo (R$ 954) e times com orçamento de R$ 30 mil.
Sobre a decisão da Libertadores, Sérgio complementa “O time seria multado e o jogo seria sem torcida. A torcida seria punida”.
ORGANIZAÇÃO
Para impedir que esse tipo de confusão ocorra, há um sistema acordado entre os organizadores do futebol na capital.
Há um combinado entre 11 copas da várzea que acatam uma decisão dada por qualquer uma delas. Se um jogador sofrer uma punição em uma das copas fica proibido de jogar nas outras 10.
“O cara sente no bolso, aí prefere seguir as regras. Se for um diretor que cometer a infração, o time que passa a ser punido”, conta Sérgio.
“Sempre tivemos escolinha e mais que jogadores formamos cidadãos. Tivemos um período de oito a nove anos sem a escolinha e perdemos toda essa geração para coisas erradas. Foi a geração que mais deu trabalho aqui no bairro”, diz Sergio.
SIGNIFICADO
A várzea ainda tem as dificuldades de jogar em campos de terra em bairros distantes, a falta de acesso das mulheres ao esporte, como mostrado na reportagem Minas da Várzea.
Jogadoras de Parelheiros, no extremo sul, se revezam no campinho com os homens do bairro, além de ter que pegar a bola no córrego quando erram o alvo.
Apesar disso e do espírito do esporte amador, os dirigentes argumentam que a carga negativa atribuída a várzea deve ser repensada.
Desenvolvedor de software, Douglas Lopes, 30, é um dos diretores do time Kenny Rogers do bairro Recanto Verde, no Tremembé, na zona norte de São Paulo.
“Os campeonatos da várzea são super organizados, tem coisas que acontecem nos campeonatos profissionais que não aconteceriam na várzea”, e complementa. “Se fosse na várzea, esse time estaria ‘queimado’ a ponto de ter dificuldade de arrumar até amistoso”, diz sobre a torcida do River.
O Kenny Rogers trabalha com quantias bem mais modestas que a do Pioneer. O time conta com diretoria, setor de finanças e funções definidas dentro da gestão.
A fonte de renda são colaborações e rifas. “Cada diretor colabora com uma quantia que varia entre R$ 70 a R$ 100,00, mais a mensalidade de cada jogador que está na casa dos R$ 30. Com esse valor pagamos o campo, entramos em festival e campeonatos”.
Douglas sugere uma nova definição para o termo várzea. “Jogar na várzea está além da vontade de jogar futebol. É a união. Jogar na várzea é representar a sua quebrada”.
André Santos é correspondente do Jardim Fontális
andresantos@agenciamural.org.br
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