Véspera de Natal tem samba há 13 anos em bairro da zona norte de São Paulo

Priscila Gomes 

Sem ter o que fazer na véspera de Natal, alguns adolescentes resolveram se reunir para celebrar. Embaixo de uma árvore no Recanto Verde, bairro da zona norte de São Paulo, eles davam início a um samba que se tornou tradição e chega aos 13 anos em 2018.

O início de tudo foi ainda nos anos 1990. Na época, o hoje cobrador de ônibus Marcelo Silva Chaves, 39, pediu emprestado instrumentos musicais para o irmão mais velho, André. Logo ele e dois amigos realizaram o primeiro Samba da Árvore em 1995.

“Começamos com uma brincadeira de adolescentes e, com o tempo, a gente fez vaquinha para comprar tudo o que precisava para melhorar o samba”, relembra o técnico em telecomunicação Alexsandro de Oliveira, 39. “Demos uma parada por alguns anos. Voltamos com tudo em 2005 e não paramos mais”.

A árvore é uma das maiores na rua Barão Carlos de Souza Anhumas. O local foi escolhido por conta da sombra e das raízes, que servem de bancos para os sambistas. “O evento começou a crescer e trazer cada vez tem mais participantes”, ressalta Oliveira.

Samba da Árvore reúne moradores no Jardim Recanto Verde, zona norte de São Paulo (Acervo Pessoal)

Além do samba, o dia se tornou uma ação social realizada pelos moradores do bairro. Para edição deste ano, o cientista social Alain Gerino, 33, conhecido como “Vagão”, conseguiu banheiros químicos, brinquedos e presentes para as crianças do bairro. Outro participante, André Santos leva doces para as crianças desde a primeira edição.

Há ainda um churrasco. O combinado é: cada um leva o que puder para dividir e celebrar. “Algumas pessoas não trazem nada, mas não tem problema, o importante é participar”.

A tradição tem ido para além do Recanto Verde. “Moro aqui na região há 11 anos e o povo comenta faz tempo. Já estou programada para trazer meus netos”, conta a cozinheira Rita de Cássia Paulino Tamanini, 56, moradora do Jardim Ataliba, bairro vizinho.

Moradora há 28 anos do Recanto Verde, Maria do Socorro Bastos Camara, 54, participa desde a primeira edição. “Conheço esses meninos desde que eram crianças. Meu filho também toca e vai junto comigo. Mesmo na chuva ninguém vai embora”, conta a dona de casa.

Praça onde está árvore em que foi realizado o primeiro samba em 1995 (Priscila Gomes/Agência Mural/Folhapress)

“Como faz anos que o samba acontece, amigos e vizinhos que já não moram mais aqui, voltam para visitar, matar a saudade e ainda curtir o samba”, diz Gerino, que vê relação entre o samba e o desenvolvimento do Recanto Verde.

“Nosso bairro melhorou muito, a gente tinha que buscar água em outra rua. O local do samba hoje tinha um rio que quando chovia transbordava”, relembra.

“Junto com o samba veio o sentimento comunitário. Temos troca, um ajuda a encher a laje do outro, a carregar material. Tenho orgulho em fazer parte disso.”

GRAFITE  E SUÁSTICA

No início deste mês, o grupo se reuniu para rebocar e grafitar o muro que fica em frente ao local do evento. Por meio de uma vaquinha e pedidos de doações, conseguiram o material e deram início a restauração. No intervalo do trabalho, contudo, uma suástica (símbolo nazista) foi desenhada no local.

Grafite feito por colaboradores no muro onde o Samba da Árvore é realizado (Priscila Gomes/Agência Mural/Folhapress)

“Cheguei a chorar quando vi aquilo”, conta Alain. “O samba envolve negros, brancos, LGBTs, nordestinos, descendentes de etnias africanas, indígenas e a festa que fazemos é a que tínhamos em casa.”  

“A gente aprendeu a sambar e cantar a desgraça, o medo, as angústias, as faltas. Um símbolo que representa o preconceito nos fere e fere a aliança comunitária”, completa.

O grupo fez postagem nas redes sociais em repúdio ao ato. “Coincidência ou não, no outro dia a prefeitura veio aparar a grama, outras pessoas se prontificaram a doar material para ajudar a cobrir e fortalecer ainda mais a nossa causa”, diz o ator William Felix Gutierre, 34, dramaturgo e produtor cultural.

No mesmo dia, os integrantes junto com vizinhos do bairro se juntaram para cobrir o símbolo. No lugar da suástica foram colocados desenhos e uma palavra: samba.   

Priscila Gomes é correspondente da Vila Zilda
priscilagomes@agenciamural.org.br

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