Madalena e a luta por moradia na zona leste de São Paulo

Faxineira aposentada, Madalena Ribeiro relembra as dificuldades para conseguir a regularização de área em Guaianases

Sheyla Melo

4 de março de 1989. Um grupo de 100 pessoas, entre adultos e crianças, se prepara às 23h na estação de Guaianases, na zona leste de São Paulo. O objetivo: ocupar uma região desabitada. Cada um leva madeiras e lonas, percorrem 40 minutos a pé.

À frente dessa marcha estava Maria Madalena Rosa Ribeiro, 69. Eles chegaram na Escola Estadual Araci Zebral Teixeira por volta da meia noite. “Entramos onde hoje é a igreja católica Nossa Senhora Aparecida e montamos um barraco para guardar o lugar, passamos a noite lá”, conta Madalena.

Nascia assim o bairro Jardim Bandeirantes, fruto da reivindicação de moradores da região.

Carioca, Madalena veio para São Paulo na década de 1970 e se envolveu no movimento de moradia por necessidade.

Negra, mãe de sete filhos, sempre ouviu respostas negativas quando tentava alugar uma casa, porque os proprietários não aceitavam inquilinos com crianças. “Mas não são meus filhos que pagam o aluguel, sou eu”, retrucava, sem sucesso.

Muitas vezes, o jeito era omitir a existência deles ou dizer que já eram grandes para conseguir a entrada na moradia.

Termo de posse foi firmado em 2014 (Sheyla Melo/Agência Mural/Folhapress)

Depois da ocupação feita no dia 4 de março de 1989, a polícia chegou a cercar o local que era um barracão de encontro. “A polícia perguntou quem eram os dirigentes da ocupação. Quando me levantei, muitos outros se levantaram comigo, dizendo que não era invasão, estávamos ocupando o que era nosso”.

No movimento de moradia, Madalena conta que chegou a ser enganada por pessoas que usam da ocupação para ganhar dinheiro daqueles que precisam de um lar.

As coisas mudaram quando foi à uma reunião, em São Miguel Paulista, na zona leste, com o Padre Ticão. “Fui aprendendo os ensinamentos da luta por moradia. Lá viram que eu me destacava e assim fui chamada para organizar a ocupação Jardim Bandeirantes”.

Trabalhava de faxina, mas gostava mesmo de estar no meio do povo. Quando o bairro começou a se consolidar, houve pressão para que deixassem o espaço.

“Tínhamos apoio de alguns padres. Depois que começamos a construir casas de alvenaria, apareceu gente ofertando outros terrenos e material para construir em troca dessa terra”, conta Madalena.  “Se a pessoa tem terrenos e materiais, não precisa das terras desse povo que só tem essa”.

As tentativas não pararam. “Queriam os terrenos para vender. Ameaçavam me pegar, me juraram de morte e em 1990 meu filho Roberto sumiu, hoje ele teria 51 anos”, recorda.

O filho foi no carro da prefeitura receber o leite que era distribuído para moradores. Não voltou e o desaparecimento nunca foi esclarecido.

Madalena conta que transformou a perda em engajamento e que ajudou a fazer outras ocupações. “Pessoas já vieram me dar dinheiro para eu segurar um terreno, eu dizia que não era dona da terra, nunca aceitei”.

Chegou a ir para Brasília, reivindicar mais atenção para Guaianases. A prefeita Luiza Erundina decretou em 1992 a área do Jardim Bandeirantes como de interesse social, o que possibilitou o início da regularização das moradias.

Em 2003, as pessoas que desde o ínicio acompanharam a ocupação receberam o termo de posse dos terrenos. Ela lembra quando a oficial foi dizer que ela e os vizinhos do bairro tinham finalmente ganhado o que lutaram durante anos.

“A oficial de justiça veio na minha porta, procurava a Maria Madalena, achando que era uma mulher branca e alta, me olhou de cima à baixo, não achava que era eu. Tive que pegar o RG”, diz.

Atualmente, ela está aposentada e vive com a família. O bairro cresceu. Tem escolas, mercados, posto de saúde, um Centro de Convivência para Crianças e Adolescentes, campinho, Centro Comunitário e grupos culturais.

“Me chamavam de mentirosa, que aqui nunca ia ter água, nem luz. [No final], conseguimos essa terra para trabalhadores que precisavam de lugar para morar.”

Sheyla Melo é correspondente de Cidade Tiradentes
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