Com artistas negros, ‘Prot(agô)nistas’ leva o circo para o Theatro Municipal

Lucas Veloso

22 rostos. Tem gente mais risonha, outras mais sérias. Os cabelos. Alguns armados, outros cacheados ou com dreads. São artistas negros de todos os cantos da cidade. É assim o elenco de ‘Prot(agô)nistas. O movimento negro no picadeiro’.

Era carnaval quando o diretor e artista circense Ricardo Rodrigues, 45, nascido e crescido em Guaianases, zona leste de São Paulo, recebeu o convite para montar uma apresentação que tratasse dos artistas negros. O resultado final seria apresentado no Festival Internacional de Circo, em abril deste ano, no Centro Esportivo Tietê.

Deu certo. Agora o espetáculo entra em única apresentação no Theatro Municipal da cidade, onde será o primeiro do projeto Novos Modernistas, em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna, nesta quarta-feira (8).

Logo depois do convite para criar o espetáculo, Rodrigues estava com uma música na cabeça: ‘Dos Róla’, de Elias da Silva, 38, o Dica L. Marx, um paulistano de Ermelino Matarazzo, também na zona leste.

Espetáculo fará estreia no Teatro Municipal (Mariana Ser/Divulgação)

A música fala sobre violência policial: Tamo cansado dos róla / Dessas batida no lombo / Bala perdida / eu quem tombo”. Também compara as periferias com as senzalas onde viviam escravos no século passado. “Favela ‘ind’é senzala / Vamos fazê-la quilombo!”

Dica também participa do espetáculo. É o contrabaixista na banda criada para a apresentação. “Estar num espetáculo que junta circo, dança e música, trouxe uma energia muito boa, tanto da plateia quanto do grupo para fazer acontecer”, relembrou Dica.

“Prot(agô)nistas traz a mais forte bandeira de luta e resistência das pessoas negras no Brasil: a pele”, destaca Rodrigues. “O circo e as artes, nacionalmente, sempre foram espaços ocupados pela classe-média alta e nesses setores não há muitos negros com recursos e tempo para se dedicarem com exclusividade à produção artística”, completa.

Na produção, o público assiste aos números tradicionais do circo, como acrobacias, tecido, perna de pau, faixa aérea, malabares, palhaço e bailarina, além de musicais da banda, como as faixas “Neguinha Sim”, de Renato Gama, “Linda e Preta”, de Jarbas Bitencourt e “Nascimento”, de Melvin Santana.

Em meio aos números, ainda tem o Gumboot, dança popular com botas de borracha, criada pelos trabalhadores das minas de carvão, ouro e diamantes da África do Sul, no século 19.

Os nativos sul-africanos, contratados para trabalhar nas minas, criaram os movimentos para se comunicarem entre si. Ao longo do tempo, se tornou manifestação artística.

Tatilene durante apresentação (Mariana Ser/Divulgação)

Moradora do Jabaquara, zona sul, Tatilene Silva,  30, é uma das atrizes que compõem o espetáculo, e realiza um número aéreo na apresentação.

Para ela, o trabalho foi uma mistura de alegria com uma grande responsabilidade, por dividir o palco com artistas que não havia trabalhado. “Isso sem falar que era no encerramento do Festival Internacional de Circo, representando a classe negra artística. Foi uma sensação maravilhosa”, define.

Ocupar um espaço como o Teatro Municipal só com artistas negros é inovador para Rodrigues, se levar em conta as desigualdades sociais enfrentadas na cidade. “No circo é muito comum ver os negros na manutenção da lona e não no show”, pontua.

Apesar das dificuldades, o diretor enxerga um cenário positivo. Para ele, nas últimas duas décadas houve uma expansão de projetos nas periferias paulistanas, para ensinar e fazer a difusão das artes.

Com isso, o ensino das técnicas circenses revelou uma nova gama de artistas acrobatas, trapezistas e palhaços, de maioria negra, que empreendem e abrem espaços pelos picadeiros do mundo.

“Não deveria ser considerado extraordinário a apresentação de um espetáculo feito por negros, num país onde a maioria da população é negra. Mas ainda é.”

SERVIÇO
08 Quarta | 20h
Novos Modernistas – Espetáculo de lançamento – PROT(AGÔ)NISTAS
Indicação etária: Livre | Ingressos: R$ 10
Vendas na bilheteria do Theatro Municipal e pelo site eventim.com.br
Sala de Espetáculos – Theatro Municipal | Capacidade: 1500 lugares

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br

Erramos: o texto foi alterado

Não há Parque de Regatas Tietê, como publicado inicialmente. O Festival Internacional do Circo foi realizado no Centro Esportivo Tietê.