Em Cotia, criança dá palestra sobre os povos indígenas

Halitane Rocha

Filho de indígenas do Ceará, Victor Hugo Rodrigues Araújo, 10, é presença frequente em escolas de Cotia, na Grande São Paulo. Desde os 5 anos, ele vai aos colégios para falar sobre a cultura dos primeiros habitantes do país.

Apesar da idade, ele é autor do projeto “Levando Cultura Indígena Para as Escolas”. Só em abril, devido ao Dia do Índio (19 de abril), o garoto foi em três escolas e se apresentou para 45 turmas diferentes.

Tanto nas salas de aula, quanto nos pátios, o ambiente fica cheio de crianças, adolescentes, professores e direção, onde todos prestam atenção nas palavras e na performance de Victor.

“Já que eles não tinham contato, pensei: ‘vou compartilhar o que eu sei com eles’”, diz o estudante. “Comecei com o arco, apito, zarabatana, os mais antigos que minha tia tinha me dado, e até hoje uso eles”.

Demonstração feita para alunos em escola de Cotia (Halitane Rocha/Agência Mural/Folhapress)

O menino vai às escolas na companhia da mãe, Silvani Rodrigues dos Santos Araújo, 45, e fala sobre ancestralidade, cultura, apresenta objetos usados nas aldeias e explica sobre a resistência dos povos indígenas.

“A tia dele [artista Rosi Araújo] morou em aldeia por muitos anos e sempre trouxe objetos que resgatam a história do nosso povo e ele sempre levou para as escolas para mostrar aos amigos”, afirma Silvani.

Nas palestras, ele também explica sobre o significado dos desenhos feitos no corpo, apresenta e faz uso dos objetos de caça, sons e rituais. Mostra como exemplo o urucum, fruto que serve de instrumento para a pintura corporal e é conhecido por servir para a produção de um corante utilizado na culinária brasileira.

Atualmente, ao ir em encontros indígenas na capital com Rosi, Victor ganha mais objetos para os eventos. Nos últimos dias, ele esteve na Casa de Cultura Indígena na USP (Universidade de São Paulo), onde recebeu de docentes da faculdade dois mapas que mostram a quantidade de povos indígenas, antes e depois dos portugueses chegarem ao Brasil.

“Às vezes quando estou apresentando eu fico meio triste, só de falar sobre os mapas. Acho que só quem é indígena consegue sentir essa tristeza no coração. Eles [portugueses] dominaram tudo. Mas é isso que estou tentando provar, que o Brasil é dos índios, tentando renascer a nossa cultura”, diz Victor, esperançoso.

No país, a estimativa oficial aponta que eram mais de 3 milhões de indígenas no país em 1500. População que chegou a ser de apenas 70 mil nos anos 1950, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio). O fim desses povos começou a ser freado desde então. No último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estimou-se 817 mil brasileiros pertencentes a 217 etnias. Na Grande São Paulo, são 21 mil.

Victor faz demonstrações (Halitane Rocha/Agência Mural/Folhapress)

Por não morar em aldeia, ele se apresentava como descendente indígena dos povos Kariri de São Benedito (CE), cidade a 300 km de Fortaleza. “Você é um índio, está na alma e no coração”, disse um cacique para a criança quando visitou a região.

Victor está na quinta série do ensino fundamental e vive no Jardim Leonor, em Cotia. A cidade de 244 mil habitantes conta com 223 moradores indígenas, segundo o último Censo do IBGE.

No entanto, há poucas ações relacionadas aos povos indígenas na região, mesmo com o próprio nome do município sendo dessa origem.

Cotia era um ponto de passagem, próximo ao aldeamento de Akuti, que mais tarde passou a chamar-se Cuty e depois Acutia. A versão mais lembrada para a origem do nome advém dos mamíferos roedores (kutis), considerados animais de estimação pelos indígenas, segundo a prefeitura.

O aluno afirma esperar que a atuação nas escolas desperte o interesse sobre a história. “Meu projeto também tem a ver com educação. Ao invés de eu levar a tristeza, eu levo alegria, cultura, conhecimento, arte. Gosto de ver os meus colegas e os professores aprendendo.”, afirma.

Halitane Rocha é correspondente de Cotia
halitanerocha@agenciamural.org.br

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