Após ataque em Embu das Artes, obras de arte indígena serão expostas em SP

Halitane Rocha

Após o clima de tensão causado pela invasão de uma exposição e destruição de peças artísticas em Embu das Artes, na Grande São Paulo, artistas indígenas irão expor os trabalhos na galeria Colabirinto, no centro de São Paulo, em 17 de agosto. 

A denúncia sobre o ataque também será apresentada na Bienal de Sidney, na Austrália, em 2020. Fotos dos materiais foram enviadas para o país.

Cerca de 30 trabalhos expostos na Mostra M’Bai de Artes Plásticas foram danificados em 16 de julho, num ato que foi considerado uma ação contra os povos da região. 

A ideia é que as peças destruídas sejam utilizadas como uma exposição de arte-protesto, afirma Moara Brasil, uma das participantes da mostra.

Na sexta-feira (26), os artistas que tiveram as obras destruídas no Centro Cultural Mestre Assis participaram da cerimônia de entrega de troféus pelo trabalho. 

Exposição trouxe peças sobre os povos indígenas (Divulgação)

No entanto, nem todos aceitaram participar. Dois dos expositores ficaram com receio após o ataque e não compareceram a premiação. Ao todo, foram 16 artistas, dos quais seis são indígenas e dois moram em aldeias na Grande SP.

A prefeitura retirou as obras da Mostra, mesmo com pedido dos artistas para manter em exposição. “Uma obra de arte é como um filho e eles querem o corpo dos filhos”, disseram os artistas durante a premiação.

“As artes são instrumentos de luta e defesa dos territórios e conhecimento dos povos originários, os novos arcos e flechas que vão lançar os sonhos da humanidade ao futuro”, afirma a artista Tamikuã Txihi, vencedora do prêmio de artista profissional.

Uma das obras destruídas de Tamikuã representava uma onça com o filhote, feitas de barro. “A peça traz o sentimento de uma onça protegendo a cria das inúmeras devastações causadas pela sociedade gananciosa. Essa sociedade que faz cinza e cadáveres da nossa irmã natureza”, diz.

A artista plástica Tamikuã Txihi recebe das mãos do Índio Terena o Troféu M’Bai Profissional 2019 (Divulgação)

A destruição das peças foi o terceiro episódio do tipo na cidade. No início de julho, miniaturas da obra Tributo aos Orixás foram roubadas. Depois, a escultura Serafina Nordestina exposta na Praça da Arte, no Centro Histórico de Embu das Artes, foi encontrada quebrada. 

A curadora Margarith Foga afirma que o crime é ligado ao racismo e a tensão da política atual. “Tudo isso pode ter motivado essa ação criminosa que atingiu o coração dos artistas da nossa cidade.”

Até o momento não há pistas sobre os suspeitos ou a motivação do ato. “Não havia sinais de arrombamento nas portas, parece que era alguém que tinha a chave”, ressalta.

Em nota, a prefeitura de Embu das Artes diz lamentar o ocorrido. A gestão afirma ter respeito pela cultura e pela democracia e que a secretaria municipal de Cultura abriu uma sindicância para apurar a responsabilidade. “[A pasta] alocou a guarda patrimonial para atender o local de forma efetiva.”

Prefeitura diz que registrou boletim de ocorrência Divulgação)

Moradora de Cotia, Rosi Araújo teve sete obras destruídas. Ela foi uma das vencedoras do prêmio da edição anterior, cuja obra é relacionada a Demarcação Indígena. Apesar de ter perdido os materiais, diz estar mais esperançosa.

“Nossa luta vai ficar maior. Mais artistas indígenas se despertaram, outros artistas que nem sabiam da mostra estão sabendo e estão sendo solidários”, diz. “Seja lá quem fez isso, só transformou a nossa luta em algo maior e deu mais visibilidade para nossa causa.”

Atualmente, Rosi está expondo outras obras na Biblioteca Municipal Batista Cepelos de Cotia, e também tem trabalhos expostos na Finlândia e no Rio de Janeiro.

CULTURA INDÍGENA

A Mostra deste ano teve como tema o Ano Internacional das Línguas Indígenas, comemorado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e em comemoração ao aniversário da Aldeia M’Boy, antiga denominação da cidade de Embu da Artes.

O nome M´Boy é uma variação de Aldeia de Bohi (como era chamada inicialmente), e em tupi-guarani significa “cobra grande”. Outros afirmam que pode significar “coisa montanhosa, penhascos, agrupamento de montes”, em função dos acidentes geográficos da área. Há também quem aponte que o nome deriva do termo M’bai, significa encontro dos rios das cobras. 

Na década de 1940, um decreto-lei mudou o nome de M´Boy para Embu.

Halitane Rocha é correspondente de Cotia
halitanerocha@agenciamural.org.br

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