Franco da Rocha volta a ter cinema após mais de uma década
Após mais de uma década do fechamento do Cine Marajá, a cidade de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, volta a ter um cinema neste sábado (10).
Com capacidade para mais de 600 pessoas, o Cine Estação foi construído dentro de um empreendimento de 2.500m² por iniciativa de um grupo de empresários e dispõe de três salas de projeção, sendo uma delas 3D.
Para a inauguração, os ingressos dos filmes “O Rei Leão” e “Velozes e Furiosos: Hobbs e Shaw” começaram a ser vendidos desde quarta-feira (7). A volta nas telonas tem movimentado a cidade.
Sueli de Jesus Barros, 38, queria comprar os ingressos de meia entrada, mas não conseguiu porque precisa de uma declaração escolar dos filhos de 13 e 16 anos. “Vim ver os ingressos para os meus filhos do ‘Velozes e Furiosos’ e para dar de presente para o meu esposo porque as crianças querem fazer essa surpresa para ele [por causa do dia dos pais]”, conta.
Moradora do bairro Vila Zanela, em Franco da Rocha, Barros conta que costumava ir no Shopping Cantareira, no Jardim Pirituba, distrito do Jaraguá, mas o acesso era difícil. “Nós pegávamos o ônibus aqui em Franco e gastávamos dinheiro com passagem. Vamos economizar mais”, explica.
O Cine Estação está localizado na rua Basílio Fazzi, no centro da cidade, próximo à estação de trem da CPTM e das principais linhas de ônibus. O acesso pode facilitar a chegada de quem vive em municípios vizinhos como Mairiporã, Francisco Morato e Caieiras.
É o caso da manicure Marlene Cássia, 43, moradora do município de Francisco Morato, e que comprou ingressos para assistir ao filme “Velozes e Furiosos”. “Antes íamos no Tatuapé ou em Jundiaí, no interior de São Paulo, de carro. Agora dá para ir de carro, ônibus e de trem, acho que é até mais rápido”, comenta.
No caso do comerciante João Batista de Assis, 60, a falta de salas em Franco da Rocha fez com que não mantivesse o hábito de ir ao cinema. “Tomara que passe filme bom para eu voltar a assistir filme na sala de cinema”, afirma.
Há 40 anos, Assis era frequentador assíduo de cinemas, assistia aos filmes tanto em São Paulo quanto em Franco da Rocha. “Eu era rapaz solteiro, morava aqui e a gente não tinha muito o que fazer. Quando tinha filme, eu ia”, explica.
O interesse dos moradores de Franco da Rocha pelo universo cinematográfico não é recente, existe há 80 anos, quando as primeiras salas foram instaladas no município.
UM CINEMA COM 1.300 LUGARES
O primeiro cinema de Franco da Rocha foi aberto em 1940 e ficava na esquina da rua Azevedo Soares com a Avenida Sete de Setembro.
Chamado de Cine Juquery, a pequena sala de projeção pertencia a João de Túlio, morador da cidade, e depois foi vendida a João Rais, comerciante local nascido no Líbano e “apaixonado por Franco da Rocha”, nas palavras do neto, Ivaldo Rais, 72.
Ivaldo conta que o Juquery fechou em 1955, quando o avô inaugurou em 26 de março de 1955 o Cine São João, um cinema mais moderno no estilo de um grande teatro. “Em 1950, meu avô iniciou uma obra na Rua Jundiaí [atual Rua Dr. Hamilton Prado] de um grande cinema com uma sala de 1.300 lugares, sendo 980 assentos na parte baixa e 320 na parte alta”, conta.
A falta de outras opções de lazer na cidade, assim como lançamentos de filmes que também eram exibidos em São Paulo, ajudavam a lotar o cinema.
“Na época, o que tinha de lazer era o cinema, porque não tinha TV. O máximo que tinha era um rádio. Em 1955, uma TV não era barata, poucas pessoas tinham”, ressalta Ivaldo.
No período em que o Cine São João foi inaugurado, o município era maior geograficamente. As cidades de Caieiras e Francisco Morato eram bairros de Franco da Rocha e só se emanciparam no final de 1958 e em março de 1965, respectivamente. A população local era de 27 mil habitantes, segundo o IBGE.
Nas décadas seguintes, o Cine São João perdeu público e, após o falecimento de João Rais em março de 1977, a situação só piorou. Em meados da década de 1980, o Cine fechou as portas.
O prédio está alugado para uma loja varejista. Quem passa pela rua Dr. Hamilton Prado ainda consegue ver resquícios na arquitetura do que outrora foi um cinema.
O CINE MARAJÁ
Se o primeiro cinema a funcionar em Franco da Rocha foi o Cine Juquery, o último a fechar foi o Cine Marajá. Com 240 lugares, o cinema localizado na rua José Augusto Moreira, no centro da cidade, pertencia a Jorge Truksa e foi inaugurado em 1951.
O jornalista Alcir Oliveira, 66, trabalhou como projecionista no final da década de 1960 no local. “O Jorge tinha uma bicicletaria [na rua José Augusto Moreira], onde de dia era bicicletaria e à noite passava filme. Ele começou com o cinema assim”, conta.
Nascido na antiga Tchecoslováquia em 1921, Jorge Truksa veio para Franco da Rocha aos sete anos trazido pelo pai, Antonio Truksa, que havia sido convidado a trabalhar no Hospital Juquery, e daqui nunca mais saiu.
A paixão pelos filmes o fez abrir outros cinemas em regiões como Jarinu, Campo Limpo Paulista e Monte Mor, no interior, Mairiporã e Caieiras, na Grande São Paulo, além da Vila Ramos, outro bairro de Franco da Rocha. “Lá se chamava Cine Clímax, eu era moleque e foi lá [que me interessei pelo trabalho]”, explica Oliveira, que entrevistou Truska.
Os moradores lembram com saudade dos antigos cinemas de Franco da Rocha, dos filmes que assistiram como os de Mazzaropi ou de sucessos internacionais como “Se meu fusca falasse” (1976) e “Tudo por uma esmeralda” (1984).
Alexandre Pereira, 40, conta que a primeira vez que foi ao cinema foi no Cine Marajá em 1991. “Eu lembro que eu entrei ali uma vez só e vi um filme só. Foi um filme dos trapalhões, eu lembro até hoje”, conta.
Mas o Cine Marajá já não encantava as pessoas como antigamente e foi perdendo público até que Jorge Truksa resolveu encerrar as atividades do cinema em 22 de janeiro de 1992.
Após o fechamento, houve duas tentativas de reabrir o espaço. A última ocorreu em outubro de 2004, com Clóvis Oliveira, um morador da cidade, mas a iniciativa não deu certo. Jorge Truksa morreu no mesmo ano antes de ver as portas do Cine Marajá reabertas.
As cadeiras que restavam do antigo cinema foram vendidas há um mês. O prédio está desocupado e disponível para locação.
Betiane Silva é correspondente de Franco da Rocha
betianebatista@agenciamural.org.br
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