‘Educar e se envolver não é mais do que nossa obrigação’, diz pai solo em Guarulhos
Lucas Veloso
O artista plástico Leonardo Ferreira, 33, mora em Guarulhos, na Grande São Paulo. Pai de Maria Clara, 10, e Cecília, 5, ele é o responsável por cuidar das duas meninas.
Após um casamento de quase dez anos, houve o divórcio e a ex-esposa se mudou para São Paulo, enquanto ele continuaria em Guarulhos. Para manter a rotina escolar e de atividades das filhas, ele ficou com a guarda.
Assumir o cuidado das filhas, como fez Leonardo, é algo pouco comum no Brasil. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2015, os pais solteiros representavam 3,6% dos arranjos familiares, enquanto as mulheres que cuidam sozinhas dos filhos ocupavam 15,7%.
Um dos desafios iniciais foi aprender sobre o corpo feminino para poder conversar com as filhas. Recorreu a conversas com amigas, ouviu podcasts e leu textos sobre o assunto. “O homem não tem noção nenhuma do corpo feminino, tive que ir muito atrás. Assim, eu vi a carência em falar do tema”, comenta.
Com a situação, Leonardo voltou à casa da mãe para conseguir dar conta da nova rotina de levar para a escola, ir na reunião de pais, vacinar e levar no psicólogo.
Nas ruas, Leonardo costuma receber parabéns e elogios pelo cuidado com as filhas, mas ele não acredita na exaltação da paternidade. “Eu só estou sendo pai, mais nada que isso. Assumi o papel como muitas mulheres assumiram. Eu fui criado por mãe solo. Pai é responsável pelos filhos”, acrescenta.
Todos os dias, a rotina é acordar 6h da manhã e levar Maria Clara na escola. Ele volta para casa e deixa Cecília com uma cuidadora na parte da manhã. De tarde, a mais velha vai à escola e a mais nova fica com a avó no escritório. É a mãe do designer que leva as duas para casa, no fim do dia. De noite, ficam as tarefas e lições de casa.
Alguns homens puxam assunto para saber como ele fez para ficar com a guarda dos filhos. Outros negam a possibilidade de ficar responsáveis pelos próprios filhos com o argumento de que não dariam conta das tarefas.
“Tem gente que acha que faço mais do que outros pais, mas só faço o que deveria. Educar e se envolver em todos os sentidos não é mais do que a nossa obrigação enquanto pais”, analisa.
Entre as atividades que mais gosta de fazer com as filhas está a ida a parques, exposições, e ver filmes. A cada 15 dias, as meninas ficam com a mãe.
ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO
Divulgado em 2017, um estudo realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ibope Inteligência, mostrou que em 89% dos casos analisados, as mães eram responsáveis pela criação dos filhos na faixa até 3 anos. Em cerca de 5% dos casos, os pais eram os responsáveis. O restante cabia aos avós, tios e outros parentes.
De acordo com o levantamento “Situação da Paternidade no Mundo 2019”, publicado recentemente pela Promundo, organização sem fins lucrativos especialista na igualdade de gênero, 85% dos pais responderam que gostariam de se envolver mais no cuidado de uma nova criança.
No entanto, a pesquisa global, feita no Brasil e em mais seis países, afirma que estereótipos restritivos de gênero contribuem para uma menor participação. Como exemplo, a ideia de que a responsabilidade de cuidar deve ser da mulher, ainda está presente.
Também há uma ideia relacionada a competência. “Os homens confiam muito mais em suas parceiras do que elas confiam neles”, diz o estudo.
“A sociedade desacredita muito na educação dos pais. Certa vez, na escola da minha filha, me chamaram para saber de umas manchas na perna dela. Estavam pensando que a menina era abusada, mas era alergia”, relembra.
“Nos restaurantes, um pai sozinho com menina provoca o olhar das pessoas, sobretudo quando elas fazem manha.”
Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br
Erramos: o texto foi alterado
O nome da filha de Leonardo é Maria Clara e não Ana Clara, como publicado inicialmente.