Moradores antigos do Itaim Paulista são retratados em muro de escola estadual
Danielle Lobato
Quem passa pelo quarteirão da escola estadual Professor José Bonifácio Andrada e Silva Jardim se depara com um novo mural. Os 250 metros de paredes brancas desgastadas pelo tempo e pichadas deram espaço para o grafite: ao menos 26 rostos de moradores foram desenhados.
A iniciativa é do diretor Milton Cordeiro Bergstron Júnior, 40. Após a escola passar por furtos e ter torneiras quebradas, o profissional começou a pensar em formas de incentivar a zeladoria do ambiente escolar. Junto com os estudantes e a comunidade planejaram colorir os muros da escola e homenagear moradores do bairro, o Jardim Romano, localizado no Itaim Paulista, zona leste.
“Percebi que o sentimento de pertencimento com o local tinha se perdido. E como morador precisava fazer algo. Depois dessa ação, não aconteceu mais nenhum furto”, afirma Bergstron.
A responsabilidade das pinceladas nas paredes ficou nas mãos do grafiteiro Fernando César, 33, que assina a arte como Nando. O artista é ex-aluno da José Bonifácio e tem filhos estudando na mesma escola.
“O Milton me procurou para executar o projeto e na hora eu aceitei, mesmo sem ganhar nem um real com as artes na parede”, ele conta que precisou grafitar nas próprias folgas. O mural demorou cinco meses para ficar pronto.
De acordo com Milton, antes de o projeto dar início, fez orçamento com outros grafiteiros, mas o valor cobrado era de R$ 600 por rosto. Assim, desenhar todos os personagens listados sairia por R$15.600, sem contar o dinheiro para comprar as tintas.
“Foi valiosa a participação do Nando, pois ele também doou parte das tintas usadas e algumas a gente comprou com o dinheiro destinado à reforma da escola,” diz o diretor.
Para selecionar os homenageados, Milton e Nando resolveram convidar ex-alunos e moradores mais antigos para a pesquisa de campo. Esta parte do trabalho foi nomeada como “Memorial Histórico da Comunidade”. Quando o artista não tinha uma foto do rosto do morador para ilustrar, buscava na comunidade pelo famoso boca-a-boca.
O grafiteiro conta que a cada rosto grafitado as pessoas que passavam ficavam curiosas. “Surgiam perguntas e desabafos, muitos falavam do quanto aquela pessoa que eu estava grafitando era valiosa no bairro. Já outros traziam relatos e fotos de figuras importantes para a região”.
A composição do Mural foi dividida em tópicos. No cenário da educação, a equipe escolheu Ana célia de Lima, 69, moradora do bairro há 45 anos. A professora veio de São João dos Patos, cidade do Maranhão, para trabalhar como professora.
“Quando me mudei ainda não existia o prédio da escola José Bonifácio. Para ter acesso à educação os moradores usavam um galpão de uma antiga fábrica, uma casa de madeira e salas improvisadas em um templo religioso”, lembra Ana. “Mesmo dirigida pela diretoria de ensino da zona leste, as merendas eram doadas e servidas pelas próprias mães dos alunos”, completa.
Em 1976, as salas improvisadas na região foram reorganizadas na escola Professor José Bonifácio. A construção do prédio teve apoio de alguns moradores que chegaram a doar materiais de construção e ajudar na mão de obra.
Na hora de retratar a primeira turma de alunos, o Wilson Gomes dos Santos, gerente comercial, 48, foi o selecionado. “Eu fiquei surpreso e muito feliz. A minha melhor lembrança da infância é da escola. Lá, eu aprendi a ter disciplina”, diz Gomes.
EM MEMÓRIA
O projeto “Memorial Histórico da Comunidade” também quis prestigiar os moradores mais antigos já falecidos, mas que deixaram um legado na região.
Sebastião Vicente Vieira (1937-2012), por exemplo, era conhecido pelo seu ponto comercial montado na garagem de casa. Lá ele reunia a vizinhança para tomar alguns refrescos. “Fiquei emocionado com essa homenagem, lembrei do meu pai e da minha infância com os vizinhos aqui na porta de casa”, comenta Marcos Vieira, 44, filho de Sebastião.
Outro homenageado foi Natanael Bertino da Silva (1937-2018), apelidado por “Senhor Natal”, um dos primeiros moradores do bairro. O Senhor Natal tinha um grupo de forró chamado Campo Verde Nordestino que participava de várias festas na região. Ele também montava cestas básicas para quem não tinha o que comer e levava mulheres para a maternidade. Já na época do natal, arrecadava brinquedos e distribuía em uma caminhonete para as crianças. “Ele merece muito essa homenagem. Era uma pessoa muito bondosa, fiquei muito feliz e emocionada”, compartilha a filha Renilde Bertino, 44.
Para o diretor Milton Cordeiro Bergstron Júnior e o grafiteiro Nando, a cada pesquisa da história do bairro surgia mais lições de força da comunidade. “Cada morador tem uma história de vida diferente, porém todos contribuíram para construir um bairro melhor”, diz o diretor do colégio. “Foi a primeira vez que o muro da escola recebeu uma pintura temática. Agora, serve como ponto para selfie, decoração e motivação” completa.
Danielle Lobato é correspondente do Itaim Paulista