“A arte nos coloca no mapa”, apontam artistas que fazem celebração dos 85 anos de Perus

Jéssica Moreira

“Norte e Nordeste compõem essa minha quebrada. Fica na beira da estrada e tem um fundo que é mata. São Paulo já é grande, mas esse bairro ainda alarga”. 

O verso, marcado pela geografia periférica, é da cantora e compositora Ariany Marciano, 23, que junto a outros artistas de Perus, região noroeste de São Paulo, celebram no Festival Mupope (Música Popular Periférica) os 85 anos do bairro com ares de interior e histórico de lutas. 

Organizado pelo Mapp (Movimento Arte Plural Perus), o evento traz para as principais ruas da região 22 atrações artísticas como shows, batalhas de rap, performances, cortejo e também gastronomia. 

O evento foi custeado pela verba adquirida por edital do Proac (Programa de Ação Cultural em SP) e também apoio de comerciantes locais. 

Uma das atrações é MC Neguinho da Kaxeta, que foi um dos mais pedidos pela população do bairro em enquete realizada pelo Mapp. O MC toca no encerramento do evento, no domingo (22). 

A ideia do movimento é reforçar a identidade dos moradores com o bairro. “A vida toda a gente ouve pessoas dizendo que nunca nem escutaram falar sobre o local onde a gente mora”, diz Ariany. “Isso reverbera na gente, nos fazendo questionar se nosso lugar existe mesmo, já que ninguém ouviu falar. Um festival como esse nos coloca como sujeito, mostra que nossos passos existem”. 

Grupos culturais da região de Perus querem reforçar vínculo de moradores com o bairro (Divulgação)

HISTÓRIA

São 85 anos no papel, já que o surgimento de Perus vem muito antes, com a construção das primeiras linhas de trem nos anos 1860 pela São Paulo Railway. O mesmo trajeto é utilizado para o transporte público pela linha 7-rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). 

Reza a lenda que a região era uma parada de tropeiros, onde uma dona de nome Maria criava Perus. A resistente fábula da “Maria dos Perus” atravessa gerações e dá nome à praça de alimentação do evento, localizada na entrada do Recanto dos Humildes, com comidas típicas. 

“Essa proposta surgiu após percebermos que não fazia sentido celebrar a história do bairro e não ter as personalidades importantes que construíram o chão e a história desse lugar”, afirma Valéria Motta, 38, pedagoga e articuladora cultural, e uma das organizadoras do evento. 

A verdade por trás da anedota, no entanto, é que a palavra Perus é um derivado de “Peri”, que em tupi-guarani significa água entre as pedras, uma característica muito presente na geografia da região. 

Em 1923, o bairro foi berço da primeira fábrica de cimento do Brasil – a Companhia de Cimento Portland Perus, onde ocorreu uma greve que perdurou longos sete anos, de 1962 a 1969, colocando a região na história do movimento sindical de todo o país e do mundo. 

Os Queixadas, alcunha dada aos sindicalistas dessa paralisação, também serão homenageados com o nome de um dos palcos, na Praça Sales, na sexta-feira (20). Será nela a abertura do evento, com projeções audiovisuais e performances, das 18h30 às 21h. 

A história dos trabalhadores já foi tema de peças de teatro, trilhas de memória, livros e filmes, e é constantemente relembrada por coletivos culturais. Eles reivindicam a criação de um centro cultural e de uma universidade desde que a indústria foi fechada, no fim dos anos 1980. 

“Somos gratos por aqueles que amassaram o barro pra gente chegar até aqui. Estamos trazendo isso para que a história não seja esquecida e que possa inspirar a juventude cada vez mais”, aponta Valéria. 

Para os organizadores, é essa memória de luta e resistência que os inspira e deu gás também para o surgimento do Movimento Hip Hop peruense. 

Foi a partir de mcs, rappers, dançarinos de break e djs da região que Perus entrou para a cena do hip hop da São Paulo dos anos 1990. Sérgio Barbosa (VL), 40, um dos precursores do movimento em Perus e também integrante do Mapp, relembra como era ir de Perus a Diadema ou à zona leste para fazer articulações. 

“Perus é onde começou a nossa história de vida e existência. A arte nos mantém em pé”, conta VL, que também ressalta a importância do samba local. 

O palco principal, na avenida Dr. Silvio de Campos, recebe o nome de Valenças, que é o mesmo nome da escola de samba do bairro. 

“Envolver os artistas e moradoras à celebração de aniversário do bairro cria um sentimento de pertencimento e é também um exercício de cidadania com as pessoas que moram e contribuem para o avanço do nosso território”, aponta Juliana Sete, 35, MC, produtora musical e parte do Mapp. 

PROGRAMAÇÃO

Na noite de sexta-feira (20), haverá a abertura do evento, com vídeos e performances que trazem o lema do festival “a periferia é o centro”, na Praça Sales, conhecida como rua da feira da estação Perus.

No sábado (21), das 13h às 21h30, as atrações ficam na Casa Hip Hop Perus, na Rua Julio Maciel, 550, onde também estará concentrada a praça de alimentação. Haverá rap, batalhas de rimas e apresentações de dança das crews. No domingo (22), o encerramento terá apresentações de samba e do MC Neguinho da Kaxeta. A programação completa está na página do Mupope.

Paralelamente à programação, haverá ações organizadas pela Subprefeitura de Perus, que divide o palco da Av. Dr. Silvio de Campos com atrações como Rodriguinho, ex-Travesso, Fundo de Quintal e Sula Miranda. 

Jéssica Moreira é correspondente de Perus