Grupo católico em Guarulhos usa religião para promover cultura afro

Gleissieli Souza

Quem passa pela rua Dom Pedro 2º, no centro de Guarulhos, na Grande São Paulo, pode não notar uma pintura no chão que marca a antiga localização da Igreja do Rosário dos Homens Pretos e São Benedito. 

Erguida no século 18, ela foi demolida para a construção da via e é um dos poucos resquícios da história dos povos escravizados na região. No entanto, desde o ano passado, a recuperação deste histórico tem sido retomada pela igreja católica do município. 

“Nosso objetivo é sensibilizar a Igreja e a sociedade em relação às questões afro-brasileiras, para vivermos em um país mais justo para todos os povos”, conta Francis Vieira, 37, coordenador paroquial e diocesano da pastoral-afro guarulhense.

A pastoral foi oficializada em 2018, ano em que passou a integrar o calendário oficial da Diocese da cidade. 

“Até a oficialização, os grupos de base agiam na “clandestinidade”, pois nossas atividades não eram reconhecidas pela diocese”, diz Orlando Junior, 37, um dos membros da pastoral. 

Padre Valdocir é conhecido como Padre Black e defende a preservação da memória negra na cidade (Pascom/Sagrada Família do Carmela/Divulgação)

Agora, a meta é articular mais atividades “para ganhar força e voltar com outros grupos que estão inativos, e com o tempo promover oficinas que exaltem elementos da cultura afro, como o artesanato”, afirma.

Dentro da igreja, as pastorais tiveram início em 1988, quando foi criada a Campanha da Fraternidade da Igreja Católica. O objetivo era chamar a atenção para as demandas do povo negro (discriminação, preconceito e desigualdade) dentro da instituição e na sociedade. 

Atualmente, elas estão espalhadas pelo país e têm o objetivo de promover a valorização de elementos da cultura de origem africana, ao mesmo tempo em que mantêm tradições vivas. 

Na capital, por exemplo, é o caso da pastoral criada na Paróquia da Achiropita, tradicional bairro italiano, mas que possui raízes africanas. 

CELEBRAÇÕES EM GUARULHOS

Nos dias de hoje, a unidade da pastoral-afro da cidade é dividida em quatro grupos, localizados nas paróquias dos bairros de Cidade Seródio, Vila Carmela, Jardim Paraventi e Pimentas.

O padre Valdocir Aparecido Rafael, mais conhecido como padre Black, é o assessor diocesano. Ele foi responsável pela formação do grupo-base da pastoral depois de participar da Campanha da Fraternidade, na década de 1980. 

Inscrição no chão da rua Dom Pedro 2º marca local onde estava primeira igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (Gleissieli Souza/Agência Mural/Folhapress)

Segundo ele, ainda há preconceito e são poucas as celebrações promovidas pela pastoral, principalmente porque as pessoas têm medo de represálias ao serem confundidas com outras religiões, como o Candomblé e a Umbanda.

Para este mês de outubro, por exemplo, a pastoral havia programado uma missa na catedral da cidade em homenagem a São Benedito (santo negro) e depois os fiéis seguiriam em procissão até a Igreja de N.S. do Rosário dos Homens Pretos e São Benedito.

No final, a celebração foi trocada por uma missa tradicional, pois padres visitantes, que pertencem a uma ala mais conservadora da Igreja, participaram como co-celebrantes.

As pastorais-afro realizam as chamadas missas inculturadas, que são ritos tradicionalmente católicos com elementos da cultura local, e que são autorizadas pelo Vaticano.

Neste caso, a celebração conta com o  uso de atabaques, berimbau, cânticos negros, turbantes para as mulheres e dashik (roupa típica da África Ocidental) para os homens

Missas têm oferenda de alimentos, mantendo tradição afro (Pascom/Sagrada Família do Carmela/Divulgação)

Outra diferença é que no ofertório há a entrega de alimentos, como frutas e pães, que depois de abençoados são partilhados com a comunidade ao fim da celebração. Em ocasiões especiais, as missas também contam com a presença de congadas. 

A pastoral guarulhense celebra mensalmente duas missas inculturadas fixas: na segunda sexta-feira de cada mês, na capela Santa Edwiges, no Jardim Paraventi; e no dia 5 de cada mês, na Igreja de N.S. do Rosário dos Homens Pretos e São Benedito, no Centro. 

Em novembro, mês da Consciência Negra, há diversas atividades especiais para celebrar a memória do povo negro, como romarias, missas, e kizombas. 

“Mesmo antes da oficialização, desde 1996 nosso grupo faz uma romaria para a basílica de Nossa Senhora Aparecida, sempre no primeiro sábado de novembro, onde abre os festejos do mês”, conta Francis. 

“Vale lembrar, que nossa missão de discípulos e batizados é sempre levar amor de Cristo a todos, sem exclusão.” 

Gleissieli Souza é correspondente de Guarulhos