Ex-treinadora de boxe, Carla Arias ensina nova geração na zona norte de SP
Pietra Alcantara
Em 2001, Carla Arias, 43, trabalhava na área administrativa de uma imobiliária quando recebeu um convite: ser auxiliar técnica do marido e boxeador, George Arias, 45, em um torneio na Inglaterra.
Para a viagem, ela precisaria de autorização da empresa, onde trabalhava há nove anos. “Sempre fui uma boa funcionária. Minhas férias venceriam em duas semanas, então pedi para que adiantassem uma semana. Meu chefe não permitiu”, relembra.
Carla decidiu ir à viagem mesmo sem estar de folga. “Literalmente, faltei uma semana no trabalho e todos já sabiam o motivo. Quando voltei, fui demitida e o boxe virou minha profissão”.
Moradora da Vila Medeiros, na zona norte de São Paulo, Carla é uma das primeiras mulheres a ser treinadora de um peso pesado no boxe brasileiro. Atualmente, ela mantém uma academia na região ao lado de George. Junto com ele, forma um casal que tem a história marcada pela modalidade.
Eles se conheceram na escola. Ela no ensino fundamental e ele no ensino médio. Se casaram e tiveram uma filha em 1992.
George treinava seis horas por dia e sempre chamava Carla para os treinos, para que eles passassem mais tempo juntos. Ela passou a praticar o boxe como esporte e, em pouco tempo, tornou-se auxiliar técnica nas lutas. “Ficava no canto do ringue e aí já é outro papel, mais responsabilidade”, ela conta.
Após deixar a área administrativa para ser auxiliar, Carla passou mais de dez anos na função até que substituiu Santo Arias, pai de George, que morreu em 2013.
George ficou abalado com a morte do pai. Ainda assim, quis continuar no esporte. A primeira luta sem o pai, ainda em 2014, foi um marco para ele.
Antes do início da luta, Carla decidiu escrever o nome do sogro na luva do marido. “Era como se ele estivesse ali com a gente”, relata Carla. Foram oito rounds e uma vitória.
Para Carla Arias, uma mulher treinando um lutador peso pesado era vista com olhos preconceituosos quando ela partia para lutas no exterior. “Sinto que fora do Brasil a visão do meio do boxe é mais machista, por incrível que pareça”, conta.
O maior desafio de Carla era confiar na própria capacidade de exercer a função. Não era comum – e não é até hoje, segundo ela – que uma mulher fizesse parte da equipe técnica de um lutador, ainda mais um peso pesado.
A carreira foi relativamente curta: ela atuou durante três anos, contabilizando oito lutas no currículo como treinadora. Em 2016, George decidiu se aposentar como lutador aos 42 anos e Carla passou de treinadora a professora de boxe.
Arias se aposentou após ter perdido o título de campeão brasileiro dos pesos pesados sem um aviso prévio. Ele foi avisado por amigos que o título seria disputado no Brasil por outros dois pugilistas em 2016.
O lutador já tinha conquistado outros títulos, como o de Campeão Sul-Americano na categoria dos pesos pesados, em 2008. Entretanto, o título brasileiro era o que movimentava a carreira naquele momento.
“Quando entrei em contato com a Federação de Boxe, eles disseram que eu perdi o título por ter perdido uma luta internacional”, afirma.
George tentou contestar que já havia perdido outras lutas internacionais sem perder o título nacional. No fim, nada mudou e ele ficou sem o cinturão.
“Ainda insisti para que ele não se aposentasse, pois ele estava em boa forma, mas não teve jeito. Foi muito desgosto”, afirma Carla. Depois da aposentadoria do marido como boxeador, os dois se tornaram professores na academia que mantêm ao lado de casa, na Vila Medeiros.
Hoje, há três anos como professores, ambos enxergam mudanças no boxe desde o início do século. Para George, o esporte se tornou popular nas academias após 1999, ano em que o lutador Acelino Popó Freitas ganhou um título mundial.
Além disso, acrescenta Carla, a participação das mulheres na modalidade cresceu. “Hoje temos nomes no boxe feminino relevantes. Era algo que não acontecia há uns 20 anos”.
Ela cita Adriana Araújo, primeira brasileira a conquistar medalha de boxe nos Jogos Olímpicos em 2012, Rose Volante, campeã mundial de boxe pela WBA (Associação Mundial de Boxe) na categoria peso-leve, e Roseli Feitosa, ex-campeã mundial de boxe amador na categoria dos pesos-meio-pesados.
Carla ainda observa que tanto na Vila Medeiros como em outros bairros da zona norte paulistana, o estilo de luta se popularizou.
“Virou modinha nas academias, hoje acredito que a procura é grande pois as pessoas sabem dos resultados positivos em relação ao corpo e mente”.
Pietra Alcantara é correspondente da Vila Medeiros
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