Perto do vestibular, estudantes de Perus conhecem escritor angolano Pepetela
Jéssica Moreira
Foi durante uma aula de redação que o angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos abandonou a mesmice dos temas gerais e escreveu a primeira história. “Pensei que a professora iria brigar, mas ela gostou muito e leu para a turma. Me livrei das redações sem graça nenhuma”, conta.
Descobrira ali a vocação para escritor, tornando-se mais tarde Pepetela. Aos quase 78 anos, o autor é um dos maiores nomes da Literatura de Língua Portuguesa no mundo, vencedor do Prêmio Camões. A obra Mayombe é leitura obrigatória do vestibular da Fuvest, vestibular que dá vagas para a USP (Universidade de São Paulo).
Às vésperas dos vestibulares no país, o escritor africano esteve na Biblioteca Padre José de Anchieta, em Perus, na região noroeste de São Paulo, no mês passado, reunindo mais de 200 pessoas em uma sexta-feira à noite, principalmente estudantes de escolas públicas e de cursinhos populares da região.
“Ele vai cair no vestibular e a gente está o vendo aqui, ao vivo. Aproxima a gente. Quando eu ver o nome dele na prova, vou lembrar desse momento”, diz Diego Alves, 17, morador da Parada de Taipas e estudante do Cursinho Livre da Lapa.
Mesmo sendo professor de Física no Cursinho Livre da Lapa, zona oeste, Tiago Almeida, 36, não deixou de levar suas alunas e alunos para a palestra. “Entre os autores exigidos pela Fuvest, ele é o único vivo. É uma oportunidade incrível para eles poderem ouvir e trocar com ele”.
“Eu me interessei porque fiz um trabalho na escola sobre ele. Foi gratificante estudar sobre ele e vê-lo aqui. Foi muito legal ouvir as experiências dele”, diz a aluna do Cursinho Livre da Lapa, Laís Xavier, 17, da Freguesia do Ó.
Pepetela é o primeiro autor que a estudante que quer cursar Direito conheceu pessoalmente. “Há uma admiração em ver a pessoa que li, ouvindo falar sobre a escrita e trajetória dele”.
LITERATURA DESPERTA CONSCIÊNCIA
Para quem fica se perguntando como fazer uma boa redação nas provas, Pepetela diz “escrevo para aprender, escrevo para pensar”.
Para o autor de “O quase fim do mundo”, obra que traz muito do contexto angolano, “a literatura é um despertador de consciência”, uma ferramenta importante para aguçar a curiosidade de uma comunidade e organizar o pensamento para novas estratégias. “A literatura cria hipóteses, mas a solução dos problemas só vem da sociedade”.
A escrita foi sua maior estratégia durante os anos que atuou pela libertação de Angola.
Pepetela lutou ao lado do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), nos anos 1970.
À noite, quando as tropas deitavam as armas e Pepetela estava finalmente sozinho, a caneta e o papel se tornavam a melhor companhia e um modo de compreender as situações de guerra à sua volta.
“Eu embrulhava o livro em um plástico e escondia em um buraco dentro de uma árvore. Em caso de desastre ou chuva, eu não o perderia. Às vezes, passava dias longe”, diz.
“A literatura angolana continua a ser periférica e marginalizada no contexto das literaturas mundiais. Um ou outro autor consegue publicar fora. Há número grande de escritores, mas que não saem de Angola”.
Falando também para uma plateia de educadores, Pepetela diz acreditar que tanto esses profissionais, quanto os escritores podem colaborar para disseminar a literatura africana no Brasil.
BRASIL E ANGOLA
“Há uma semelhança muito grande entre Angola e Brasil. Que é a capacidade de rir”, diz o escritor, que também lembra como autores e artistas brasileiros, como Graciliano Ramos e Jorge Amado, influenciaram a literatura e a cultura angolana.
“Mesmo vivendo em uma situação de ditadura, não havia censura de livros brasileiros em Angola; livros que formaram toda uma geração”.
Os angolanos também receberam apoio intelectual com visitas de cantores como Chico Buarque de Holanda, compositor da canção Morena de Angola, interpretada por Clara Nunes.
“O Chico é reconhecido internacionalmente. Ele não precisa de certificado de prêmios”, diz, ao ser questionado sobre a polêmica do Prêmio Camões, que Chico Buarque não pode receber sem autorização do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).
Na política, Angola também se espelhou muito no Brasil, criando em 1951 o Partido Comunista de Angola, inspirado na sigla brasileira.
A palestra foi parte do 2° Encontro Literário Áfricas, Memórias e Resistência, organizado pelo Coletivo de Educadores Perus-Pirituba, com apoio de Rita Chaves, especialista em literatura africana de Língua Portuguesa e professora da USP.
Para a professora, embora a ligação dos dois países comece de forma dolorosa, diante da realidade da escravidão, é importante ressaltar como a cultura une as duas nações.
“Uma história de troca que começa da pior forma possível pode ser transformada e gerar um diálogo que nos traz numa sexta à noite pra baixo de uma árvore, para falarmos de literatura, de história e resistência”, afirma.
“O Brasil está enfrentando um recuo, que ameaça nossa estabilidade, mas essa esperança tem que ser capaz de promover a mudança. A literatura traz imaginação, nos tira da vida para nos devolver mais fortes dessa vida”, ressalta.
Jéssica Moreira é correspondente de Perus