‘Na Disciplina: Samba e Cidadania’ une cultura, comunidade e política na zona sul de SP

Carolina Figueiredo

É dia de sol na rua Oldegard Olsen Sapucaia, no Jardim Miriam, em Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, e as crianças correm em frente a tenda onde instrumentos de som são montados. 

Moradores ajudam a fechar os dois lados da via, com bandeiras metade preta e metade laranja, cores símbolo do Pagode na Disciplina. Vai começar o samba. 

A cena está no documentário ‘Na Disciplina: Samba e Cidadania’, e é reproduzida todos os últimos domingos do mês na região. 

O filme estreou no dia 27 de outubro, na mesma rua onde Pagode na Disciplina é realizado, e conta a história da importância das comunidades de samba na periferia da zona sul da cidade.    

Produzido por um coletivo autônomo de audiovisual, o filme de cerca de 30 minutos começou a ser produzido em abril. A ideia partiu da produtora Luana Vieira, 37, criadora do evento. 

“É uma forma de contar a história do samba dentro da periferia de forma original, organizada e potente, mantendo viva a valorização e tradição de um povo”, diz Vieira. 

Realizado desde 2015, o Pagode na Disciplina reúne sambistas da região do Jardim Miriam. No média-metragem, a história da roda se conecta à de outros sambas de rua de Cidade Ademar. 

“É um documentário feito por muita gente”, define a diretora de produção Carol Moreno. Além dela, embarcaram na produção do filme Semayat Oliveira (direção), Carol Moreno (direção de produção), Sabrina Teixeira (desenho de som) e João Victor de Oliveira (direção de fotografia). 

O trabalho foi feito com orçamento de R$ 1.000, por meio de um edital do Mascate CineClube, projeto de incentivo da produção cinematográfica na região. 

Por conta do baixo orçamento, o filme foi realizado no tempo livre. Segundo Moreno, toda a produção foi colaborativa, contando com o apoio dos moradores do Jardim Miriam e da comunidade do samba de outras regiões de Cidade Ademar.

 

Semayat foi diretora do documentário (Mascate Cineclube/Divulgação)

O espaço se tornou também um símbolo em uma região sem acesso à cultura. Cidade Ademar não possui equipamentos como cinemas, teatros, casas de cultura, bibliotecas ou museus, conforme mostrou pesquisa divulgada pela Rede Nossa São Paulo no começo do ano.

Moram na região da subprefeitura de Cidade Ademar cerca de 410 mil habitantes, dos quais 52,1% se declaram pretos ou pardos, segundo IBGE.

O filme vai além do Pagode na Disciplina. “A gente fala de cidadania, de outras histórias que fizeram parte do samba aqui em Cidade Ademar, da importância do samba como uma contracultura ancestral de resistência do povo preto”, conta Semayat. 

“Me emocionei [com o documentário] porque eu acompanhei a saga deles e isso é importante para nós. Não podemos deixar isso morrer nunca”, diz a educadora Silmara Cristina, que mora em Diadema e vai ao Pagode com frequência. 

SAMBA E CIDADANIA

Além de produtora executiva do documentário e uma das fundadoras do Pagode na Disciplina, Luana Vieira é coordenadora no escritório central da UneAfro Brasil, rede de formação para jovens periféricos que promove diversos conteúdos educacionais. 

Ela articulou a criação de um cursinho pré-vestibular ao lado do bar sede do Disciplina. Todos os sábados, cerca de 20 jovens da região assistem a aulas preparatórias para os vestibulares nacionais.

Luana é mãe de cinco filhos e considerou a experiência materna na formulação do samba. “Fazer com que essas mulheres possam sair e ter pelo menos uma vez no mês um momento em família, com os filhos brincando, é o que mais me motiva”, conta Vieira, que incluiu brinquedo infantis como pula-pula no espaço do evento.

Sabrina Teixeira, Luana Vieira, Carol Moreno, Semayat Oliveira e João Victor de Oliveira produziram o documentário (Carolina Figueiredo/Agência Mural/Folhapress)

No local, também se apresentam poetas e sambistas de outras regiões, há rodas de samba femininas e lançamentos de livros de autores periféricos.

“O Pagode na Disciplina entende fazer política como possibilitar o espaço de convivência saudável e de troca de ideias”, diz Semayat Oliveira. “Tudo isso que a gente está vivendo aqui hoje não é só cultura, mas é política também”, complementa Carol Moreno.

ORGANIZAÇÃO 

No Pagode na Disciplina, a ideia é que crianças e idosos possam acessar o evento. A rua cheia do dia da exibição do filme misturava crianças, idosos, adultos e adolescentes.

Para o evento, Luana pede autorização à CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), à Subprefeitura de Cidade Ademar e à Polícia Militar. 

Como a rua Oldegard Olsen Sapucaia não é definida como de lazer, não é permitido que seja fechada com muita frequência, e a organização precisa justificar todos os meses o porquê do evento acontecer. 

A organização do samba vende alimentos e acessórios personalizados, como bonés, copos e camisetas para custear as despesas. O evento é gratuito e é permitido que os moradores entrem no local demarcado com as próprias bebidas e alimentos. 

Mantendo a tradição, a primeira exibição oficial do ‘Na Disciplina’ foi na rua, mas a diretora Semayat Oliveira diz querer levar o filme para novos espaços e festivais.  “A ideia é mostrar como o samba de rua é importante para uma expressão de cidadania nas periferias”, finaliza. 

Carolina Figueiredo é correspondente de Cidade Ademar

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