Alunas da zona leste de SP avaliam redação do Enem, e falam da falta de cinema nas periferias

Danielle Lobato 

Maria Eduarda, 17, mora no Itaim Paulista e quer ser engenheira civil. Perto dela, no Jardim Romano, está Melany Souza, 16, que mira o curso de biomedicina. As duas estudantes da zona leste de São Paulo fazem no próximo domingo (10) a segunda parte da prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). 

Ambas ficaram surpresas com um item da prova longe da rotina delas: o cinema. O tema da redação do exame levantou a discussão sobre a democratização do acesso às salas. 

“Fiquei decepcionada com o conteúdo que escolheram para ser base de uma redação tão importante. Afinal, uma prova que atende milhões de pessoas, deve ser de conhecimento geral, o que não aconteceu”, diz Maria. 

“Quando vi o tema fiquei muito assustada. Pensei, e agora? Nem cinema no meu bairro tem. Estudei, durante um ano, dentro e fora da escola e cursinho”, conta Melany. 

A solução para as duas: falar da falta de acessibilidade ao audiovisual, que leva pessoas da periferia a optarem por assistirem a filmes em casa.  “Pensei nos meus amigos que não têm acesso aos cinemas, seja pela distância, ou pela falta de dinheiro”, diz Maria. 

Maria se mudou para o Itaim Paulista há dez anos. “Quando eu morava em Itaquera ia sempre. Mas hoje quase não vou. Penso na distância, transporte público, e desisto”, conta Maria. 

Maria quer ser engenheira (Arquivo Pessoal)

MAPA DA DESIGUALDADE

As histórias de Maria e Melany são exemplo da falta de acesso às salas de cinemas no bairro. De acordo com dados do Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, na capital paulista, cerca de 54 distritos não possuem o equipamento audiovisual. 

Dentre as regiões apontadas está o Jardim Romano, pertencente ao distrito de São Miguel Paulista, sem nenhuma sala. Já no Itaim Paulista, há apenas um espaço privado para 300 mil habitantes. Em contrapartida, o distrito da Barra Funda, possui 13 salas de cinemas para 15 mil habitantes. 

No levantamento do Mapa da Desigualdade, é possível ver que a desigualdade também afeta outros equipamentos culturais. Os cincos distritos com mais unidades são Barra Funda, Pari, Consolação, Bela Vista e Pinheiros, todos bairros próximos ou na região central.

Cidades vizinhas da capital vivem cenário parecido. Ao menos 18 municípios não possuem salas de cinema.

FUTURO

Todos os dias, Maria Eduarda, 17, levanta às 5h10, toma o café da manhã e cruza 15 km de transporte público para chegar à ETEC (Escola Técnica Estadual), em Itaquera. 

Após as aulas, de ensino regular, ela se dedica ao curso de edificações – considerado uma das formações mais concorridas da instituição, na qual passou em 12º lugar. 

Ela espera que a nota do Enem ajude a ingressar na USJT (Universidade São Judas Tadeu), para a área de engenharia. Comenta que não pode  pensar em um curso em período integral. “Preciso trabalhar para ajudar em casa e pagar livros, atividades que terei ao longo do curso”, lamenta Maria. 

Já Melany sonha em passar na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), e mantém uma rotina de estudos intensa. Pela manhã, está na escola estadual Professor José Bonifácio, na zona leste. Depois cruza 29 km até a escola Duque de Caxias, no centro, onde faz o cursinho pré-vestibular gratuito. 

Há um ano, a adolescente presta vestibulares como Enem e Fuvest para avaliar o conhecimento. Na primeira vez que fez o exame o tema da redação foi ‘Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet’. 

A expectativa das meninas é a prova de exatas, para a qual se consideram melhor preparadas. Já que linguagens e interpretação de texto são uma dificuldade similar. 

Ambas criticaram a estrutura da prova apresentada. “É o primeiro ano que não cai Era vargas, a história do exterior se sobressaiu em uma prova brasileira”, conta Melany. 

Danielle Lobato é correspondente do Itaim Paulista