Mulheres MCs da zona leste falam sobre preconceito em batalhas de rimas

Danielle Lobato

Desde pequena pensava em ter um pouco de perseverança-ça
Mas, infelizmente, agora vou ter que dizer
É difícil ver várias minas por conta do estupro morrer. 
Mas tudo bem, eu vou além, resistir e persistir
Com meu rap eu faço isso por você e por mim”. 

A rima feita pela estudante Sarah Sophia Alves de Souza, 16, a Mc Pepper, no Jardim Vila Mara, na zona leste de São Paulo, é exemplo de um novo movimento que tem chegado às batalhas de rimas da cidade: a presença das mulheres.

Desde os anos 1990, a cena do hip-hop no Brasil é basicamente feita por homens. Este cenário vem mudando no Itaim Paulista, no extremo leste da capital. Cada vez mais há mulheres que levam as rimas para as ruas.

Por um lado, ainda há dificuldade para o reconhecimento da atuação delas nas batalhas, como se chama o duelo entre duas pessoas com rimas improvisadas ao som de hip hop. As rappers relatam também que o rap tem possibilitado geração de renda e “alívio” para doenças como depressão e ansiedade. 

MC Pepper conta que procura expressar temas como o feminismo e o cotidiano na periferia. “Desde quando entrei para o hip-hop ouço frases como: é você mesma que escreve suas letras?”, conta a Mc. “Ih, a mina é fraca na cena”. 

Quando a jovem diz na ‘cena’ refere-se ao momento que mostra o seu talento na competição. Antes da batalha acontecer, uma ou duas pessoas circularam pela multidão com um caderno e uma caneta. Eles são os responsáveis por anotar os nomes que serão sorteados para duelar. 

“É nesse instante que é possível ouvir e ver de algumas pessoas o desdém, acham que eu e outras minas somos fracas por serem mulheres”, afirma Pepper. “São muitas provocações, mas eu resisto não só por mim, mas também pelas minas que querem fazer o seu rap ser reconhecido”. 

Sarah estuda na escola estadual Caetano Zamitt Mammana, e se diz apaixonada pelo hip-hop desde a infância. O primeiro contato com as batalhas foi há sete meses, por meio de amigos. Desde então, não se desvinculou mais. 

A MC também se apresenta nos trens da linha 12-safira da CPTM, depois que termina as aulas. De noite participa das batalhas. “Comecei a me apresentar para levantar uma grana e também me aperfeiçoar nas rimas. Ser mais rápida no raciocínio”, conta Sarah. 

As apresentações duram o percurso de três ou quatro estações, e as músicas são composições próprias. Por dia, tira em média R$ 30 a R$ 50. Com o valor arrecadado, consegue comprar itens pessoais, que ajudam a ficar sempre na “beca” do hip-hop. 

Cantar nos vagões é proibido pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitano) e os músicos apanhados pelos seguranças são obrigados a saírem da estação. Mas com ela isso ainda não chegou acontecer. 

Dentre as dificuldades em se apresentar estão os  próprios passageiros. “Alguns tapam o ouvido, olham feio por conta do meu estilo, menosprezam por ser nova e mulher, mas mesmo assim não desisto.  Já outros gostam do som e até tiram fotos”, fala a Mc. 

Fati iniciou um Sarau focado nas manas Divulgação)

A 6 km do Jardim Vila Mara, a grafiteira Fátima Regina, 33, mais conhecida como MC Faty  mora no Jardim Nélia, distrito do Itaim Paulista, e também viu resistência para ser aceita como mestre de cerimônia no hip-hop. 

“No começo tive dificuldade de  fazer o trabalho que é apresentar os MCs, organizá-los, passar as regras, pegar os votos da plateia. A galera não me respeitava enquanto mulher na voz de comando”, fala Faty. 

Para driblar o preconceito e a predominância masculina no hip-hop, Faty deu início a primeira Batalha da Teles, no Itaim Paulista, exclusiva só para as Manas. 

A iniciativa nasceu do incômodo a partir do momento em que percebeu que as batalhas de rap eram frequentadas por muitas mulheres, mas em algumas só os homens rimam, principalmente, se não há uma figura feminina na direção. “Eu quis mostrar que existe preconceito sim, mas também há espaço para as manas mostrarem seu talento tem que se unir”, conta Faty. 

O primeiro contato com o hip-hop veio por meio do grafite, quando largou o emprego administrativo em uma escola para se dedicar a arte e a maternidade. Em 2018, participou de um processo seletivo pelo coletivo Arte Cultura na Kebrada sendo aprovada para ser a MC da Batalha da Teles.  

A cena de uma batalha de rima masculina é diferente de uma feminina. Após o microfone aberto, iniciam-se as batalhas das Mcs que se alistaram. Mesmo durante o confronto, o clima de harmonia se mantém, inclusive entre as competidoras, que se incentivam durante e após as rimas. 

Dentre os temas escolhidos pela plateia naquela noite, foi citada a autoestima, estupro, preconceito, machismo e o privilégio do branco. Muitas aproveitaram o espaço para tirar a poesia da gaveta pela primeira vez. 

“Tanto no ganhar ou no perder é um rolê que vale a pena pela troca de ideia, de energia. A gente fica encantada de perceber que as minas quando tão juntas, elas querem se acrescentar, se potencializar, e não diminuir uma a outra. Essa é a parte mais especial do rolê todo”, comenta Faty.

Danielle Lobato é correspondente do Itaim Paulista