No Capão Redondo, professores conversam com alunos sobre tragédia em Paraisópolis

Cléberson Santos

Na manhã de segunda-feira (1º), crianças do CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) do Jardim Guarujá, no Capão Redondo, estavam agitadas. Procuraram a “Tia Carol”, como é chamada a pedagoga Carolina Aparecida Sena, 27, para falar da ação policial que levou a morte de nove jovens em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. 

Um dos adolescentes mortos foi Gustavo Xavier, 14, que participou do centro até completar a idade limite. 

O CCA é mantido pelo projeto Batuquedum, em convênio com a Secretaria de Assistência Social, e realiza atividades de capoeira, dança, artesanato, futebol, vôlei, recreação, gincanas e atividades de arte, como pintura, desenhos e rodas de conversas temáticas. 

“São nessas rodas de conversa que a gente traz temas atuais”, conta Carolina, que falou com as crianças sobre a tragédia. “A gente ficou muito mexida”, relata. 

Quem também conversou com os alunos sobre a situação foi Rafael Rodrigues, 34, historiador e professor eventual na escola Renata Graziano de Oliveira Prado, também no Jardim Guarujá. 

Alunos fizeram cartazes em atividade da escola (Cléberson Santos/Agência Mural/Folhapress)

Substituindo professores em falta, Rafael entra nas salas de aula para trabalhar o conteúdo do Projeto Educação para a Paz e Mediação de Conflitos, promovido pela ONU.

Rafael soube da tragédia no domingo (30). Só depois, em uma conversa na rua onde ele e família da vítima moram, que ele descobriu que o ‘Risadinha’, como Gustavo era conhecido no bairro, estava entre os mortos. 

Gustavo não era mais usuário do CCA, mas as irmãs mais novas ainda participam das atividades promovidas pelo Batuquedum no bairro.

“Houve muita orientação. Falamos sobre a questão do apoio, sobre como é importante a família em nossas vidas. A gente trabalhou muito com eles sobre a questão das drogas, álcool, o tráfico”, diz Carolina. “Muitas crianças passam por situações precárias, convivem com isso e acabam criando a ilusão que o melhor caminho é esse”.

Enquanto Carolina trabalhava com as crianças no CCA, Rafael foi ao velório de Gustavo, sepultado em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, e na terça-feira participou da formatura dos alunos da escola.

“A escola não pode fechar os olhos para isso”, afirma. “A violência contamina tudo ao redor, ainda mais quando você tem 12 anos de idade e perde um amigo, de uma forma tão violenta e tão injusta”.

O clima de tristeza entre as crianças que frequentam o CCA também foi observado pela assistente social Francisleuda dos Santos Rocha, 43. Elas relataram que apesar das crianças, que eram conhecidas de Gustavo no bairro, estarem chateadas, conversaram e lembraram com carinho do amigo.

“A gente tem que encontrar palavras para consolar. Como que ela vai entender que quem matou ele não foi Deus, e sim um estado assassino?”, lembra Francisleuda.

O governo do estado recebeu familiares de vítimas semana passada e afastou 38 dos envolvidos na ação. O caso ainda é investigado.

FUNK NA SALA DE AULA

Segundo o Mapa da Desigualdade 2019, o distrito do Capão Redondo conta com 1,39 equipamentos públicos de cultura para cada 100 mil habitantes. Com isso, os bailes funk, inclusive os organizados fora da comunidade, acabam sendo uma opção de lazer para os jovens da região.

“É mais perigoso ir até outro bairro a pé que eu pegar um ônibus e descer na frente do Paraisópolis. Eu sou documentarista e até hoje não tenho um cinema comunitário onde esse pessoal podia estar ao invés de ir para o baile”, afirma Rafael. 

Apesar da crítica à falta de espaços no bairro, ele reconhece que o funk está presente na realidade dos alunos e que é seu trabalho conscientizá-los a respeito da música.

“Não quero que eles deixem de cantar funk, eu quero que eles cantem funk, mas com uma consciência de que existe uma luta, uma transformação. A música é ferramenta de transformação”.

A conscientização também é trabalhada por Carolina no CCA com as crianças. A pedagoga conta que não impede que toque funk nas festinhas no espaço, mas que filtra e conversa com os pequenos sobre o que é legal ouvir ou não.

“Não adianta a gente não trabalhar o funk aqui dentro com eles, porque é algo que está presente no dia a dia deles”, diz Carolina. 

“Nosso dever é orientar, conscientizar, mostrar que o funk é um ritmo cultural como os demais, e que devemos raciocinar em cima do que a letra está dizendo pra gente, mostrar que as meninas podem dançar sem se expor.”

Cléberson Santos é correspondente do Capão Redondo

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